São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Dez por cento

JOÃO SAYAD
INFLAÇÃO ABAIXO DE 10% É REALMENTE UM EXCELENTE RESULTADO.

As críticas sobre o caminho que percorremos para chegar aos 10% são importantes: o câmbio mais sobrevalorizado do que o necessário e os juros muito altos. Quem faz, erra; quem analisa, acerta.
Mas, com este resultado, os críticos podem perdoar os erros e os criticados têm suficientes vitórias para ouvir as críticas com generosidade e atenção.
A economia capitalista não é máquina bem comportada que produza crescimento rápido, estabilidade de preços e pleno emprego. Oscila sempre entre estabilidade e inflação, entre crescimento e desemprego.
O mundo viveu 25 anos de inflação e crescimento rápido depois da Segunda Guerra. Agora, vive há quase 20 anos com estabilidade nos preços, mas com crescimento lento e desemprego.
O Brasil não é diferente: a partir de 1945, tivemos 50 anos de inflação crescente, 30 anos de inflação anual maior do que dois dígitos, 10 anos de inflação mensal maior do que dois dígitos e agora, graças ao Plano Real, completaremos o primeiro ano com inflação anual menor do que dois dígitos.
Planos de combate à inflação são sempre expedientes, gambiarras, torniquetes ou remédios. Nos anos atuais, a melhor e talvez a única alternativa disponível para estabilizar os preços era a sobrevalorização do câmbio.
Se a estabilidade de preços é um expediente, a questão relevante é o que fazer durante esta trégua que obtivemos depois de muita experiência e a custo muito elevado.
As opiniões estão divididas em dois grupos. Há os que acreditam que o normal é a estabilidade e a inflação, excepcional. Por isto, querem aproveitar a trégua para reformar a Constituição. Como se a nossa inflação tivesse começado em 1988.
Argumentam também que o mundo mudou e precisamos de salários menores, menos funcionários públicos (juízes ou bombeiros?) e aposentadorias mais tardias (para trabalhar onde?).
O mundo inteiro tenta fazer isto e, segundo este ponto de vista, nós deveríamos tentar também. Apesar da retórica dos governos de vários países, poucos conseguiram implementar a mudança.
Mesmo assim, o caminho é doloroso: cortam-se verbas de saúde e obras de infra-estrutura e os serviços públicos acabam se deteriorando.
O outro grupo critica o plano em dois níveis. Primeiro, que a estratégia adotada gerou desindrustrialização, colocou o capital nacional em situação desvantajosa face ao capital estrangeiro, criou desemprego e está ameaçada pela falta de rentabilidade das exportações.
Sem dúvida, é fundamental que a gambiarra seja firme, dure bastante, o maior tempo possível. Para isto precisamos exportar mais e só Deus sabe como solucionaremos este problema.
Argumenta também que a trégua antiinflacionária deveria ser utilizada para fazer a coisa certa: política de desenvolvimento industrial.
Pode ser diferente da anterior que se baseava em tarifas. Mas é preciso coordenação do setor público, ação conjunta dos industriais, apoio de crédito quando o retorno for muito longo para o mercado financeiro e investimento em tecnologia. Nada menos rentável e mais público do que o investimento em tecnologia.
É preciso coragem para falar sobre estas coisas, pois para a retórica de hoje isto é considerado herético aqui no Brasil.
São bem recebidas apenas em países como o Japão, apesar de a retórica japonesa ser parecida com a nossa.
Depois, política agrícola. A conversa de sempre: crédito, preços garantidos para alguns produtos de mercado interno, possibilidade de atuação nos mercados de futuros para produtos exportáveis, muita pesquisa agrícola, estradas e portos. Esforços para combater o protecionismo dos países desenvolvidos: na soja, no frango, no suco de laranja e principalmente no álcool.
Se conseguíssemos vencer o protecionismo disfarçado dos EUA contra o álcool nacional, o Brasil se tornaria um gigantesco Texas, produzindo bois, frangos e álcool como aditivo para gasolina americana.
Depois, é preciso investir em obras públicas: estradas de todo tipo, reforma urbana, transporte urbano, habitação.
Finalmente saúde, educação e pobreza. Todas estas tarefas são públicas: do governo ou de organizações não lucrativas e com espírito público como o governo, como a antiga Usaid ou a Fundação Abrinq.
Os termos atuais rejeitam quaisquer destas propostas. Política industrial, nem pensar. Política social, só um pouquinho de dinheiro para os pobres rurais deixando de lado a pobreza urbana, mais numerosa, grave e crítica.
Hoje em dia, a visão vencedora acredita que, sem inflação e com taxas de juros altos, os investidores estrangeiros vêm aqui, produzem para exportar e nós podemos nos tornar "rentistas". É a chamada teoria do desenvolvimento dependente.
A visão crítica sofre a frustração de não estarmos aproveitando a dádiva da inflação baixa. Estamos fazendo muito pouco neste intervalo de baixa inflação. Gostaríamos de também poder importar empresários "schumpeterianos", sonhos e força de vontade.

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