São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Brasil enfrenta tiroteio contra Mercosul

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CINGAPURA

O governo brasileiro está preparado para enfrentar doravante um tiroteio contra o Mercosul, o bloco comercial formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
A Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), a ser inaugurada hoje em Cingapura, será certamente um dos cenários para o tiroteio, embora o tema não faça oficialmente parte da agenda.
Ocorre que, na corrida para a globalização, os blocos regionais são cada vez mais vistos não como uma transição rumo a um mundo sem fronteiras, ponto de chegada da OMC, mas como um potencial obstáculo a ele.
O chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia teme que o relatório fortemente crítico em relação ao Mercosul, preparado pelo economista do Banco Mundial Alexander Yeats e divulgado no mês passado, seja apenas "a primeira flecha incendiária" contra o bloco.
O relatório acusava o Mercosul de proteger indústrias ineficientes, ao lhes dar uma espécie de reserva de mercado contra fabricantes de fora do bloco.
A segunda "flecha" veio durante uma conversa entre Lampreia e Henry Kissinger, o ex-secretário de Estado norte-americano, em Nova York, também no mês passado.
Kissinger, ainda um influente formador de opinião nos EUA em assuntos internacionais, criticou bastante o Mercosul.
Os temores de Lampreia começam a se justificar. Outro economista do Banco Mundial, Vinod Thomas, diretor de seu Instituto de Desenvolvimento Econômico, diz que "muitos dos novos acordos regionais discriminam contra não-membros".
Não citou especificamente o Mercosul, mas o bloco é claramente um de seus alvos.
Guerra de blocos
O número da respeitada revista britânica "The Economist" que foi às bancas sexta-feira alça à capa o tema dos blocos regionais, com o eloquente título: "Estragando o comércio mundial".
O texto diz: "O maior dano em Cingapura não será feito pelo que se dirá, mas pelo que será deixado quase sem menção: a ameaça que o 'regionalismo' representa para o comércio global".
Motivo: "Ao liberalizar o comércio somente com seus vizinhos, os países estão, por definição, discriminando contra os que não têm sorte bastante para estar no clube local".
Esse temor é manifestado também, embora com matizes, pelo diretor-geral da OMC, o italiano Renato Ruggiero.
Ele acha que, se os grupos regionais fizerem a redução dos obstáculos ao comércio entre seus membros no mesmo ritmo que a redução para os demais países, tudo bem.
Mas acrescenta: "Do contrário, em não mais de 20 ou 25 anos chegaríamos a uma fragmentação da economia global em dois, três ou quatro blocos regionais, cada qual com suas próprias regras, confrontando-se uns com os outros na fronteira".
Esse tipo de inquietação encontra amparo nos números disponíveis na própria OMC: há hoje registradas na organização 76 áreas de livre comércio, a metade das quais criada ou reforçada a partir de 1990. Tais blocos já respondem por 61% do comércio mundial.
O temor de Ruggiero é o de que "as barreiras nacionais (em acelerada redução) sejam substituídas por barreiras regionais".
Lampreia diz que o Mercosul não se enquadra nesse caso porque não facilita o comércio apenas entre os membros, mas também com o restante do planeta.

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