São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O ITR de novo

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA; JOSÉ GRAZIANO DA SILVA

O que é inaceitável é que o governo use da boa-fé do povo para encobrir mais um benefício aos latifundiários
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e JOSÉ GRAZIANO DA SILVA
O governo FHC anunciou com alarde outra mudança do ITR. Dizemos "outra" porque a lei que entrou em vigor em 1995 havia sido alterada em 1994 -mas o presidente Fernando Henrique mandou suspender a cobrança do imposto em março deste ano, por causa da chiadeira da bancada ruralista, que achou muito elevado o valor mínimo da terra nua aceito para fins de cálculo do imposto.
E agora vem de novo o governo FHC com uma outra proposta de mudança do ITR, com o argumento de que agora vai mesmo elevar o imposto sobre as terras improdutivas.
O argumento é, no mínimo, engraçado, pois o montante que o governo espera arrecadar com a nova lei é praticamente o mesmo que poderia arrecadar com a legislação anterior. Também as simulações realizadas por empresas de consultoria independentes mostram que a elevação das alíquotas poderá atingir mais as propriedades menores e produtivas que as maiores e improdutivas.
O que tem realmente de novo esse ITR, além de mexer nas alíquotas? Duas mudanças fundamentais. A primeira: o ITR passa a ser totalmente declaratório, suprimindo-se o valor da terra mínimo aceito pelo Incra.
Isso significa simplesmente que o latifundiário é quem decidirá quanto vale a terra dele para fins tributários, tanto para o ITR como para taxas de compra e venda do imóvel, transmissão por herança, apuração de ganho de capital para o imposto de renda etc. Parece brincadeira, mas é assim mesmo: o proprietário é quem escolhe o valor sobre o qual será cobrado o imposto.
Mas, diz o governo, se ele "subdeclarar" o valor do imóvel, a nova lei prevê como punição que o proprietário receberá aquele valor que ele mesmo declarou em caso de desapropriação daquelas terras. Pura retórica: o general Costa e Silva tentou isso na fase mais dura dos governos militares, e o seu decreto-lei 455, de 25/4/69, foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Não é por outra razão que a nova lei fala que o valor declarado pelo proprietário será o valor depositado em juízo pelo Incra. Também pura retórica: o ritual em vigor assegura ao proprietário o direito de apresentar uma nova declaração do seu imóvel.
Ou seja, se "pintar" ameaça de desapropriação, o proprietário eleva o valor declarado do seu imóvel; passou a ameaça, ele o abaixa; e, se tiver certeza de que vai mesmo ser desapropriado, fixa um valor astronômico, dificultando ainda mais o processo de desapropriação, pois obrigará o governo a depositar aquele valor inflado em juízo até que se defina o seu preço real de mercado.
A segunda mudança fundamental introduzida pela medida provisória que modifica o ITR é o resgate dos TDAs emitidos até junho de 1992, no valor de R$ 1,6 bilhão, montante equivalente ao total de recursos prometido (mas ainda não liberado) para o Pronaf (excluídos os fundos constitucionais), que deveria beneficiar quase 3 milhões de produtores familiares em todo o país.
O pífio argumento é o de "resgatar a credibilidade" desses títulos. Ora, isso beneficia somente uma centena de latifundiários que tiveram suas terras improdutivas desapropriadas e alguns bancos falidos que andaram comprando TDAs para usá-los nas privatizações que vêm por aí.
É louvável a proposta de elevar a taxação das terras improdutivas. O que é inaceitável é que o governo use da boa-fé do povo para encobrir mais um benefício aos banqueiros e latifundiários deste país.
Como já dissemos em artigo publicado na Folha em 2/6/96, não temos nada contra o ITR. Aliás, achamos que ele deve ser cobrado como um imposto sobre o patrimônio imobiliário dos grandes fazendeiros. Por que o trabalhador urbano pode pagar R$ 40 por m2 de sua casa, e um grande proprietário de terras não pode pagar R$ 50 por hectare, que equivale a 10 mil m2?
Por isso, estamos propondo que o Congresso Nacional mantenha na legislação do ITR a figura do "valor mínimo da terra nua", aceito para fins de tributação, e retire a autorização para o resgate dos TDAs emitidos até 1992.
Aliás, o governo deve um esclarecimento à opinião pública sobre o vazamento antecipado dessa informação, o que permitiu que alguns espertalhões adquirissem esses títulos antes da sua valorização. Poderia começar divulgando os nomes dos clientes dos três bancos que mais se beneficiaram com essa informação privilegiada, ainda que isso inclua alguns amigos e aliados políticos.
Mas não nos iludamos: o ITR ajuda muito pouco na reforma agrária. No caso brasileiro, nada pode substituir o instrumento de desapropriação por interesse social como forma de arrecadação de terras improdutivas para fazer a reforma agrária. E pagar em Títulos da Dívida Agrária, como manda a nossa Constituição, porque, se for para pagar em dinheiro, não é reforma agrária, é maracutaia na certa.

Luiz Inácio Lula da Silva, 51, é membro do diretório nacional do PT. Foi presidente nacional do PT (1980-89, 1990-94 e 1995).

José Graziano da Silva, 46, é professor titular de economia agrícola da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de "A Nova Dinâmica da Agricultura Brasileira", entre outros livros.

Texto Anterior: MERCADO; SONÍFERO
Próximo Texto: O lobby do sequestro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.