São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 1996
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Homens que gostam de homens que gostam...

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Homens gostam de homens. Se há algo de admirável no universo masculino, é a maneira como os homens gostam uns dos outros. Não se trata de homossexualismo, mas apenas de homens que fazem sexo com fêmeas mesmo.
Não é novidade que os homens se adoram. Desde meninos, em seus clubes do bolinha, com seus pactos de sangue, estabelece-se a resistente engenharia dessa corrente de homens que gostam de homens que gostam de homens que...
Novidade é que o tempo passe e isso não mude, que seja igual nos homens de 60, 40 ou 20 anos. Na reunião de trabalho, sentados à mesa em que são sempre maioria marcante pelo terno, pela gravata, dão um show de solidariedade, cordialidade e anuência.
Basta ver como o homem mais velho expressa com lágrimas na voz (embora com elogios contidos), a alegria com que descobriu no mais novo um talento até então desconhecido. Estão gratos, desfrutam da simples presença um do outro. Têm curiosidade um pelo outro, em breve serão amigos, companheiros de jornada na vida.
Assim eles seguem controlando o mundo. Pouco importa se a causa desse domínio é cultural (são milhares de anos de patriarcado) ou biológica -ainda se discute se o domínio masculino seria uma função normal dos hormônios do macho, dos níveis de testosterona, o hormônio da impaciência e da agressividade.
Qualquer que seja a causa, o fato não deixa de ser invejável. Até no que os homens têm de pior, são alimentados pelo senso de lealdade e hierarquia -os exércitos, as brigadas terroristas e as bancadas políticas só existem por conta disso, por uma questão de cumplicidade, de confiança mútua.
Entretanto, aliança tão sólida pode revelar uma fraqueza. O conhecido "orgulho masculino" tem sua contrapartida numa espécie de consciência da própria inutilidade.
Como se soubessem o quanto, no fundo, são inúteis, eles se unem para aplacar o senso do defeito: a ontológica incongruência em desempenhar simultaneamente o papel do ente fecundante e o filho da mãe.
Como também precisam arrastar pela vida afora o carinho reprimido que sentem uns pelos outros, são mestres da sublimação. Viram colecionadores -de selos e flâmulas a latas de cerveja e carros.
São capazes de passar horas reunidos, debatendo contra-sensos de toda ordem como se discutissem o futuro do universo. Olham sempre para a frente, precisam que o conhecimento intelectual deles baixe ao mais profundo das coisas.
Tudo por puro espírito de provocação -que esconde uma admiração mútua- mas com gravidade e humor. O humor é masculino. Por isso são piadistas, os que fazem piadas.
É mesmo incrível que homens sigam gostando de se acasalar com fêmeas. Certamente é outra coisa qualquer que os atrai a elas -mas nunca a possessividade, o exclusivismo torpe, a limitadora univocidade delas. Nunca a dissimulação, a rivalidade, a crueldade que marca o relacionamento entre elas.

E-mail mfelinto@uol.com.br

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