São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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Os erros do ITR provisório e a Constituição

JAYME ALÍPIO DE BARROS

A Folha noticiou, no dia 5, justa manifestação do presidente Fernando Henrique relacionada à possibilidade de o governo recuar na proposta de mudanças no ITR, desde que "haja argumentação consistente que aponte o erro".
Antes, o ministro da Política Fundiária havia declarado que não recuaria em "punir e taxar as terras improdutivas", podendo-se, assim, admitir as alterações que forem necessárias na medida provisória 1.518, de 19 de novembro.
Erros, jurídicos, lógicos e políticos não faltam, infelizmente, no texto e na malcuidada tabela de alíquotas da MP que o Congresso vai votar e que, contra as intenções do ministro, pune e taxa em maior grau exatamente os proprietários das terras produtivas, por um lado, e as pequenas propriedades (até 50 hectares), por outro.
As mudanças e a política do governo estão mais bem representadas pelos dígitos da tabela das alíquotas anexa do que pelo texto da nova MP.
A tabela comporta duas leituras. A primeira, das colunas verticais e da progressividade fiscal simples, permite saber que o tamanho das propriedades (agrupadas segundo a presunção de terem os proprietários capacidade contributiva diretamente proporcional ao tamanho da propriedade tributada) fará variar o imposto de peso 1 para 24, quanto às áreas produtivas, e de 1 para apenas 20 relativamente às áreas improdutivas.
A segunda leitura da tabela, feita nas faixas horizontais, evidencia uma variação de alíquotas de finalidade extrafiscal, segundo o grau de utilização da terra, e revela um tratamento desigual para os pequenos proprietários: para estes, as alíquotas variam de um peso 1 para 20, enquanto as propriedades de mais de 5.000 hectares serão tributadas com alíquotas de 1 a 16,66 (relações entre a menor e a maior alíquota de cada faixa).
A mesma tabela reduz das 180 vigentes para apenas 30 as alíquotas legais do ITR: as terras roxas de São Paulo foram igualadas às do Pantanal Mato-Grossense, do Polígono das Secas ou da Amazônia, todas agora tratadas da mesma forma quanto às áreas crescentes fixadas nas faixas e à apenas presumida capacidade contributiva dos seus proprietários. Os municípios, "onde moram os brasileiros", não foram ouvidos nem estão indicados na MP, apesar de a Constituição lhes atribuir a metade da receita do ITR.
Poderiam ser apontadas, entre 21 artigos da MP a ser votada nesta semana, 13 ou mais diferentes inconstitucionalidades (com a lembrança de que a invasão, pela lei ordinária, do campo reservado à lei complementar, como as contrariedades daquela ao Código Tributário Nacional, constitui em si mesma um atentado direto à Constituição). Indicam-se algumas, apenas:
1ª - O imposto sobre um imóvel "pertencente" a mais de um município será "enquadrado" no município onde fique sua sede; o município vizinho ficará sem a sua parte da receita do ITR.
2ª - O valor tributável passa a ser o livremente declarado pelo proprietário, acarretando tributações diferenciadas entre contribuintes em situação equivalente (C.F., artigo 150, 2º).
3ª - No "valor da terra nua" ficará incluído o valor de florestas nativas (não "plantadas"), em contrariedade ao artigo 30 do CTN.
4ª - A Receita Federal poderá celebrar convênio com as Confederações da Agricultura e fornecer dados cadastrais de imóveis rurais -o que contraria a proibição do artigo 198 do CTN.
5ª - A MP permite que a Fazenda Pública possa adjudicar o imóvel rural penhorado e autoriza que o valor excedente ao crédito fiscal seja pago ao executado "em Títulos da Dívida Agrária", o que contraria os artigos 5º, inciso 24, 184 e 185 da Constituição.
6ª - A MP declara que o imóvel adjudicado "passará a integrar o patrimônio do Incra", assim vinculando-se o produto da receita tributária judicialmente cobrada, além de "confiscar-se" a parcela do ITR pertencente ao município.
7ª - A MP proíbe a "concessão de incentivos fiscais e de crédito rural" ao contribuinte do ITR que não provar o pagamento do tributo nos últimos cinco anos -o que poderá importar, em casos concretos, na contrariedade aos princípios do livre exercício do trabalho e de qualquer atividade econômica (C.F., arts. 5º, inciso 13, e 170).
8ª - A nova tabela de alíquotas da MP fixa uma alíquota máxima de 20% (a cada ano), evidentemente confiscatória.
As pretensões do governo podem enfrentar uma dificuldade: o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária do dia 20 último (RE. 153.771/MG, julgamento ainda não publicado), condenou a progressividade do IPTU cobrado pelo município de Belo Horizonte (MG).
Com igual fundamento poderá vir a ser negada pelo Judiciário a progressividade fiscal do ITR, fundada no mesmo parágrafo do artigo 145 da Constituição; o ITR somente poderá ter, então, "alíquotas fixadas de modo a desestimular a manutenção da propriedade improdutiva", o que importaria na eliminação de 25 das 30 alíquotas da nova MP e na queda da respectiva receita para apenas 5% do valor pretendido.

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