São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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Neoliberalismo ou neopragmatismo?

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Não é fácil criticar a política econômica deste governo. Dificuldades existem e vão sendo reconhecidas. Algumas delas foram inegavelmente antecipadas por certos críticos. Mas a postura crítica permanece incômoda. Há quase que desculpar-se por exercê-la. Convido o leitor a refletir sobre isso.
A inibição da crítica tem, certamente, por origem inegáveis melhorias associadas ao Plano Real. O temido dragão da inflação rasteja hoje, como uma reles lagartixa.
Além disso, o consumo de numerosos artigos cresceu além das expectativas mais otimistas. O mercado interno deverá tragar, neste ano, cerca de 9 milhões de televisores, 1,6 milhão de automóveis e por aí afora.
E ninguém crê que se trate de mera bolha, como no passado. A perda dessas melhorias parece, a bem dizer, inadmissível. Fora -mesmo- de cogitação. E isso impõe aos críticos algo como um contorcido apoio preliminar ao plano como condição para fazer-se ouvir.
A menos, claro, que se dirijam a algum grupo singular, particularmente prejudicado pelas mudanças em curso. Nesse caso, porém, a eficácia da crítica já nasce comprometida.
Mas há dificuldades de outra natureza -e é sobre elas que pretendo concentrar-me.
Refiro-me, sobretudo, ao fato de que não é possível atribuir a este governo posições inflexíveis ou rígidas. Isso já podia ser percebido no segundo semestre de 1994, fase mais agressiva da nova política.
Já ali, a política cambial sofreu inflexões enquanto tarifas externas foram alteradas a torto e a direito, em função daquilo que as autoridades entendiam ser as necessidades do momento. Posteriormente, e com o álibi da crise mexicana, proteções e tratamentos especiais passaram a multiplicar-se.
Recentemente, a relação entre os déficits registrados na balança comercial e a torrente de medidas de apoio às exportações ficou evidente para todos. Nas cruas palavras do sr. Pratini de Moraes, "nada melhor do que um déficit comercial para o governo se mexer" ("GM", 3 de dezembro).
Diante dessa realidade, as incansáveis tentativas de caracterizar o governo como neoliberal -e os seus economistas como ortodoxos- estão fadadas ao fracasso.
A ortodoxia não é apenas a religião do mercado. É também uma teoria acerca do que ocorre (ou presume-se que ocorra) a longo prazo. A nave econômica guiada pelo mercado encontra o seu rumo a um ritmo que pode ser muito lento. E o fiel escudeiro da ortodoxia praticamente nada pode fazer -ou mesmo dizer- a esse respeito.
Nesse sentido, aliás, é duplamente errada a imagem segundo a qual o neoliberalismo (re)coloca a economia no piloto automático. Primeiro, porque as respostas, no caso do mercado, não estão programadas. Segundo, porque a imagem, evidentemente, sugere rapidez.
Numa palavra, o ortodoxo detesta a frase "no longo prazo estaremos todos mortos". Mas voltemos ao nosso terreiro.
Não é preciso evocar o pétreo imobilismo das autênticas (e consensualmente desastradas) experiências neoliberais do Chile e da Argentina, de 1976/8 a 1981, para perceber que o atual governo brasileiro altera posições com relativa rapidez. Isto é: desde que atropelado pelos fatos. Quanto aos críticos, podem ficar roucos de advertir...
Em face da constatação anterior, caberia indagar: se o governo é, de fato, apegado a princípios de procedência neoliberal e, ao mesmo tempo, mostra-se disposto a enfrentar com medidas discricionárias diversos problemas práticos (mas não todos), por que não assume essa atitude? Por que não tenta, pelo menos, assumir algo como uma ortodoxia de resultados?
Deixando de lado o óbvio -as pedras da rua sabem que atacar o Estado e louvar o mercado colhe aplausos certos e tranquiliza o mercado-, registro aqui algumas observações.
Diante dos falcões do mercado, a discurseira neoliberal deixa hasteada a bandeira branca. Permite-lhes, inclusive, assumir ares de mais puros, guardiões da consistência. Não tenho dúvidas de que, autêntico ou encenado, o papel lhes agrada.
Quanto à crítica procedente do lado oposto, a reafirmação das bandeiras do liberalismo desloca a discussão para o âmbito dos princípios. Seria fundamentalismo contra fundamentalismo. Essa guerra, no entanto, terminou. O que recomeçou, com grande vigor, foi a reflexão histórico-comparativa das consequências do mercado -e das possibilidades de compensá-las e corrigi-las.

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