São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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Hélio Oiticica e Lygia Clark trocam carícias e opiniões

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Aquele prazer voyeurístico que sempre se tem ao ler carta dos outros surge redobrado em "Lygia Clark, Hélio Oiticica - Cartas (1964-1974)", que a editora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) coloca nas livrarias na próxima semana.
O volume reúne 40 cartas -24 de Lygia e 16 de Hélio-, todas coletadas nos arquivos de Hélio Oiticica, que costumava conservar todos os seus documentos e fazer cópias das cartas que enviava.
As cartas foram organizadas por Luciano Figueiredo, responsável há mais de dez anos pela conservação da obra e memória do artista plástico, obra essa que ganhou, finalmente, uma sede própria, no Rio de Janeiro (r. Luiz de Camões, 68, Centro, tels. 021/232-4213 e 232-1104).
Mas abrir carta dos outros pode gerar sustos ou constrangimentos, o que não acontece no livro. "Suprimi as referências negativas que eles fazem a pessoas vivas, que poderiam ficar magoadas. Acho que não seria ético abrir uma correspondência entre duas pessoas e expor o que uma pessoa disse apenas para seu interlocutor. Mas não chegam a ser trechos longos", disse Figueiredo.
Os dois artistas contam as mostras que viram, os livros que leram, seus processos de trabalho, o que estão fazendo no momento, a receptividade que o trabalha vem recebendo, os amigos que conheceram e aqueles que fazem falta. Waly Salomão, por exemplo, que acabara de entrar na vida de Oiticica, é citado algumas vezes com muito entusiasmo (leia algumas frases sobre personalidades em quadro abaixo). A paixão se manifesta ainda no processo de criação artística cotidiana dos dois.
Lygia Clark devia ser uma mulher muito divertida, a notar pelo humor com que trata seus momentos de máxima penúria e os explicita nas cartas a Oiticica. "Aliás, num momento de grande penúria, já me levantei de madrugada, tirei uma costeleta do lixo, lavei-a e a comi como um selvagem, mas era de fome não um happening... Essa história me lembra a de um padre que aqui juntou muita porra de masturbação e a expôs dentro de um tubo de plástico, e o máximo que aconteceu é que acabou sendo expulso do convento pois 'padre não se masturba' (!). Não chocou ninguém, deu muita fome em mulher sem homem e acabou sem batina nem nada", conta Lygia à página 146.
Os dois artistas se reencontram em junho próximo, na Documenta de Kassel, na Alemanha. A curadora do evento, Catherine David, uma fã dos dois, esteve no Brasil recentemente e selecionou de Hélio Oiticica "Parangolés" e "Bólides". "Vai inclusive um "Parangolé-Tenda" que nunca foi mostrado", disse Figueiredo.
Lygia participa com as "Máscaras Sensoriais" e com a reconstrução de uma obra: "A Casa É o Corpo", de 1968, um ambiente que se perdeu. "Ela foi mandada para a Bienal de Veneza e se perdeu na volta, na alfândega. Está sendo reconstruída pela Fundação Tápies, de Barcelona, que vai abrigar uma retrospectiva de Lygia que se inaugura em 17 de outubro em Barcelona", disse Figueiredo. A arte brasileira atual vai com obras de Tunga, também selecionado.

Livro: Lygia Clark, Hélio Oiticica - Cartas (1964-1974)
Lançamento: Editora da UFRJ
Organização: Luciano Figueiredo
Quanto: R$ 25 (204 págs.)

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