São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Pitta sentou na cadeira

LUÍS NASSIF

Desde ontem, Celso Pitta deixou de ser criatura de Paulo Maluf, e sentou-se oficialmente na cadeira de prefeito eleito da maior cidade do Hemisfério Sul -e criou a primeira trinca no relacionamento com seu padrinho.
A desenvoltura com que enfrentou a chantagem dos "anões das regionais" não permite dúvidas: ou se está diante de um ingênuo, ou da mais corajosa vocação pública que São Paulo conheceu em muitos anos.
Os "anões das regionais" -grupos de vereadores do próprio partido, que podiam indicar administradores de regionais- o desafiaram: sem poder indicar os administradores das regionais, dariam quorum para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar denúncias de superfaturamento em obras municipais na gestão Maluf. Além de obstruírem a votação do próprio orçamento.
Se não cedesse, Pitta corria o risco de ser ingrato para com o homem que o indicou. Se cedesse, corria o risco de trair a cidade que o elegeu. Pitta ficou com a cidade e a CPI foi aprovada.
Solidão
A partir desse ato, Pitta estará sozinho. Vai se indispor com os malufistas, vai ser alvo das represálias dos "anões" e não há a garantia de que obtenha apoio dos homens de bem das oposições.
Berço da cidadania desde o Império, São Paulo parece ter perdido a fibra cívica. A cidade cresceu muito, descaracterizou-se, perdeu-se no jogo de interesses dos grupos que passaram a dominar a cena política nos últimos 15 anos -empresários, intelectuais, artistas, corporações, sindicatos e a fauna dos pequenos políticos municipais.
A grande imprensa só tem olhos para Brasília; a chamada sociedade civil organizada só tem olhos para seus interesses corporativos; os malufistas só em seu líder candidato à Presidência da República; e os antimalufistas só buscam sua destruição.
São Paulo fica a pé, e os "anões" a cavallo.
Anões desenvoltos
No início de sua gestão, Paulo Maluf tentou enfrentá-los. Em pouco tempo sucumbiu às pressões. Tanto que a figura maior de sua gestão foi Calim Eid, homem incumbido de administrar a voracidade dos fisiológicos.
Quem testemunhou alguns desses encontros com aliados jura que, provavelmente, nem nas sessões secretas da Comissão de Orçamento da Câmara houve cenas tão escabrosas e debochadas.
Não raras vezes, Eid era parado em plenos salões da casa por vereadores aliados, com ameaças públicas e explícitas: se não conseguir o meu, não voto.
A principal moeda de troca foram justamente as regionais. Não se tratava apenas de clientelismo clássico. Em algumas regionais, há suspeitas fortes de montagem de redes de corrupção, a partir das propinas cobradas pela fiscalização, chegando até os administradores regionais e, dali, a vereadores que os indicaram.
Divisor
O gesto de Pitta é um divisor de águas que encerra várias lições.
Para seu patrono, Maluf, a lição de que não enfrentar a chantagem torna a pessoa eternamente prisioneira dos chantagistas.
Para a cidade a constatação de que se os homens de bem da Câmara não conseguiram passar por cima de seus compromissos ideológicos, e não firmarem um pacto de governabilidade com Pitta, perde a cidade.
Daqui a algum tempo se saberá se Pitta era realmente ingênuo, ou estadista. Se ingênuo, sua culpa terá sido acreditar que São Paulo estava de fato preparada para a modernização política.
Tucanos
Seria conveniente que os tucanos, no poder, se dessem conta de que sua legitimidade decorre de seu compromisso com a consolidação de reformas constitucionais e a reforma dos hábitos políticos nacionais.
Tentar repetir velhos estilos políticos é excesso de esperteza -que, em geral, devora o homem.

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