São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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A realidade do trabalho infantil

BENEDITA DA SILVA

Quero registrar o meu grito de alerta sobre a triste situação por que passam milhões de crianças brasileiras, em sua maioria desassistidas, desnutridas, sem educação básica, caminhando rumo a um futuro incerto e infeliz.
Uma sociedade não é marcada somente por seu progresso econômico, tecnológico ou cultural. Ela pode ser avaliada também por meio da justiça social. É nesse contexto que englobamos a problemática dos menores no Brasil que, desassistidos em seus lares, ganham as ruas em busca de uma forma de vida, caindo nas malhas da prostituição e da exploração do trabalho infantil. E assim milhões de crianças têm suas infâncias roubadas, sendo impedidas da convivência saudável das brincadeiras infantis dentro do lar.
A exploração do trabalho infantil constitui-se num grave problema social. A Constituição proíbe qualquer trabalho infantil antes de a criança completar 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, situação permitida apenas a partir dos 12 anos. Mesmo assim, tal atividade deve ser reconhecidamente leve, excluindo-se, por exemplo, o trabalho exercido nas indústrias, nas oficinas e na agricultura.
Registro um fato importante: estando a criança ou o adolescente trabalhando, é fundamental que lhe seja assegurada a oportunidade de educação.
Dentro da chamada mão-de-obra invisível, as crianças e os adolescentes não aparecem nas estatísticas oficiais e não têm direitos trabalhistas e benefícios previdenciários garantidos.
Mas, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), formam no Brasil um exército silencioso de 7,5 milhões de menores, que não têm infância e trabalham como adultos. Técnicos do Ministério do Trabalho já constataram crianças com chupeta na boca e uma enxada em suas mãos.
A tragédia infanto-juvenil no campo deve ser hoje a grande preocupação do governo federal. As crianças ingressam no trabalho a partir dos 6 ou 7 anos. Trabalham em média dez horas, em troca de uma remuneração que varia de R$ 2,00 a R$ 6,00 por dia. Tais valores são ainda menores se a mão-de-obra for feminina.
As crianças trabalham, mas não vêem a cor do dinheiro, porque o pagamento vai direto para a mão dos pais como forma de complementação salarial.
O emprego da mão-de-obra infantil na agricultura pode ser constatado em quase todas as regiões do país, conforme os dados a seguir: São Paulo - colheita de laranjas e indústrias de calçados (convivendo com o cheiro da cola); Rio de Janeiro - colheita da cana-de-açúcar e de laranjas; Goiás - lavouras de tomate; Mato Grosso do Sul - carvoarias e colheita da erva-mate; Bahia - sisal; Alagoas - produção do fumo; Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte - salinas; Paraíba - redes, colchas e mantas; etc. No Nordeste, a maioria das crianças trabalha na cultura da cana-de-açúcar.
Somente na Zona da Mata pernambucana são mais de 70 mil crianças e adolescentes, representando 30% da força de trabalho no setor canavieiro. Próximo à moagem da cana-de-açúcar, esse número eleva-se para 120 mil crianças trabalhando.
Alguns avanços foram conquistados no sentido de uma mudança de rumo e busca de soluções, pelo menos para minorar o problema. Entendo, entretanto, que é necessário implementar ações mais enérgicas para erradicar esse câncer dentro da sociedade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio trazer, nesse contexto, uma grande contribuição, quando garante direitos específicos para a criança e para o adolescente e propõe políticas integradas de atendimento. Há que superar, entretanto, as políticas meramente compensatórias das injustiças sociais.
Dentro de uma ação global, vale destacar o apoio à infância no campo da educação, a exemplo da bolsa-escola, implantada pelo governo do Distrito Federal, que prevê a permanência da criança em sala de aula a partir de remuneração à família desse educando.
Não devemos nunca nos esquecer de um princípio fundamental: lugar de criança é junto à família e na escola.

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