São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Ainda a reforma administrativa

RÉGIS DE OLIVEIRA

Tudo que envolve novidade, normalmente, causa certo pânico. O novo ou qualquer alteração é visto, em princípio, com reserva, por quase todos. Até que se apreendam os objetivos e até que surjam caminhos viáveis e indolores para que se atinja o novo, as pessoas desconfiam de propostas de alteração da realidade.
A estrutura burocrática de exercício de poder e de seu desempenho passou a ser um fim em si mesmo. Os servidores devem trabalhar para arrumar escaramuças e meios de se manter no poder. Isso é o que pensam os dirigentes atuais. Qual a consequência e o que fazer? Passar do arquétipo patrimonial, em que o objetivo do Estado é manter-se locupletando seus servidores, ao denominado Estado gerencial.
No Estado gerencial, o objetivo é apresentar qualidade de serviço, e aquele que não servir é retirado dele sem maiores consequências. Passa-se de um extremo ao outro. De uma estrutura superada passa-se à estrutura própria da iniciativa privada. O que importa são os resultados.
O que passa despercebido aos atuais dirigentes é que ninguém orientou os servidores. Durante décadas, todos foram ensinados a trabalhar sem qualquer orientação.
Nunca se cuidou de reciclagem, de preparação deles para tarefas complicadas, de aperfeiçoamento funcional. Simplesmente chegou-se à conclusão de que o modelo não servia mais e que imperiosamente impunha-se alterá-lo, jogando de lado a situação pessoal ou coletiva dos servidores.
Não se pensa que atrás de um funcionário há uma família, que foi obrigada a viver e conviver com a estrutura que lhe era apresentada, em que a única exigência era a qualificação formal de sujeição a testes de múltipla escolha.
Em todos os países do mundo, pelo menos os do Primeiro, passou-se de uma fase patrimonial para uma fase burocrática. Há notável ensaio de Max Weber que analisa a necessária passagem pela denominada burocracia, que é forma de estruturação do poder e um dos mecanismos de controle do poder.
Ora, no Brasil não há a burocracia como forma de poder -ou, ao menos, de forma consciente. Não há um Estado burocrático na acepção de forma de dominação.
Logo, a passagem sem intervalo de um sistema a outro significa o desconhecimento da passagem paulatina da forma de dominação. É simplesmente desmontar uma estrutura para privatizá-la, sem que se saiba, exatamente, o que virá a seguir.
Será que o futuro "servidor" estará apto e preparado para exercer seu papel, quando sabe que a qualquer desobediência poderá ser mandado embora? Será que a estrutura do Estado está preparada para ser equivalente à da empresa privada, que se submete ao conflito capital-trabalho? Será que o relacionamento privado que objetiva lucro tem o mesmo sentido de prestação de serviços públicos por parte do Estado? Será que os escaninhos de solução são os mesmos?
O que me parece é que, a pretexto de solucionar questão transitória e pontual, objetiva o Estado desmoronar toda uma estrutura ainda não sedimentada.
Se me indagarem se deve haver alteração, a resposta será positiva. Os denominados "privilégios", ou seja, acréscimo na aposentadoria, vantagens pecuniárias excessivas, incorporações sem sentido, tudo deve ser abolido. Só que, a pretexto de eliminar os excessos, pretende-se desmontar a máquina.
O problema é que o enxugamento dos adicionais corta pela base. A pretexto de atingir privilégios, vai alcançar direitos que são incorporados aos poucos, daqueles de vencimentos menores dentro do funcionalismo.
O que se deve fazer é o corte de vantagens desmedidas, com a redução dos denominados DAS, a fixação do "teto", a participação dos usuários na administração pública. Como se vê, tudo é matéria que pode ser resolvida em nível legal, despicienda sendo qualquer alteração constitucional.
Não podemos tratar a Constituição da República como mero pedaço de papel, como já foi denominada por recente ditador.

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