São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Subnutrido é recuperável, diz pesquisa

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Arroz, feijão e bife derrubaram um dos mitos mais persistentes da pediatria -aquele que diz que é quase impossível recuperar a altura de uma criança subnutrida.
Pesquisa feita na Escola Paulista de Medicina mostra que dá -com arroz, feijão e bife.
Não é a única novidade do trabalho. As crianças tratadas com uma dieta típica de classe média recuperaram altura numa velocidade maior do que ganharam peso.
"Isso é muito diferente do que relata a literatura científica", afirma Ana Lydia Sawaia, 40, professora da Escola Paulista de Medicina e orientadora da pesquisa.
Um dos cânones da nutrição diz que é mais fácil uma criança recuperar peso. O trabalho mostra que não é bem assim.
A importância da pesquisa é que a altura da criança não é só uma questão estética. É um dos melhores indicadores da saúde.
Crianças baixas para a idade -menores do que um padrão adotado pela OMS (Organização Mundial da Saúde)- são normalmente desnutridas, um grupo que apresenta taxas mais elevadas de mortalidade.
O achado
Durante dois anos a nutricionista Maria de Fátima Alves Viera, 39, acompanhou 38 crianças tratadas no Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren).
Tinham entre 8 meses e 5 anos e meio. Delas, só três não recuperaram altura: duas estavam internadas havia só um mês e a outra tinha seis meses de internação.
A entidade, ligada à Escola Paulista de Medicina, é uma espécie de hospital-dia para desnutridos. A criança, selecionada em favelas nas quais a escola atua, passa o dia lá, recebe três refeições e volta para casa no final da tarde.
A idéia da pesquisa era aferir o impacto de uma dieta de classe média em crianças subnutridas.
Já se sabia que era possível recuperar a altura de uma criança dando-lhe um suplemento de zinco -elemento que acelera as enzimas que controlam o crescimento.
O problema é que favelados teriam de penar para encontrar zinco, suplemento vendido em farmácias. A opção por uma dieta de classe média deve-se à facilidade com que os ingredientes podem ser encontrados.
"O que é surpreendente é que conseguimos recuperar a altura de crianças com uma dieta tipicamente brasileira", afirma Sawaia.
Choque de proteína
Ninguém sabe ao certo por que as crianças cresceram numa velocidade maior do que ganharam peso. Há só suposições.
Sawaia acredita que foi o choque de proteína que causou a recuperação. Uma criança de classe média, que come carne no almoço e no jantar, engole o dobro das proteínas que o corpo requer, diz ela.
Entre 1 e 3 anos, a criança precisa de 16 gramas de proteína diariamente. De 4 a 6 anos, a dose sobe para 24 gramas -se uma criança comesse só carne, teria de consumir 150 g para chegar a esse teor.
As crianças estudadas, alimentadas à base de arroz, feijão e bife no almoço e macarrão à bolonhesa no jantar, recebem o dobro de proteína do que prescreve a Organização Mundial da Saúde.
"Foi por causa da proteína, provavelmente, que as crianças cresceram", arrisca Sawaia.
O epidemiologista Cesar Victora, 44, da Universidade Federal de Pelotas e perito em nutrição da OMS, confirma a hipótese.
Segundo ele, peso é fácil ganhar porque não depende muito da qualidade do alimento -depende mais de quantidade, seja só de arroz ou de fubá.
Já a altura está ligada à qualidade da comida. "Essas crianças tinham provavelmente falta de micronutrientes, que são encontrados em alimentos mais caros", afirma. O principal micronutriente seria o zinco, encontrado em carne bovina e peixe.
Segundo essa hipótese, basta dar bife e peixe que a criança cresce.
Carlos Augusto Monteiro, 48, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e um dos maiores especialistas brasileiros em nutrição, levanta outra hipótese.
"Se falta muito peso, a primeira coisa que se recupera é peso. Se falta altura, é esse problema que o corpo vai atacar", defende.
Segundo Victora, a pesquisa tem resultados práticos importantes. Há duas correntes antagônicas em nutrição: uma acredita que é possível recuperar o subnutrido, enquanto a outra diz que a tentativa é desperdício de recursos.
"Esse trabalho mostra que o subnutrido não é um caso perdido, que é possível recuperá-lo", diz Victora.

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