São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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A guerra química da alergia

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando um animal microscópico da família das aranhas que se alimenta de pele humana velha invade um nariz ele coloca em pé de guerra a rede de células de defesa do organismo, o sistema imune. Em consequência, a vítima espirra, seu nariz entope e goteja. O pequeno animal, o ácaro, provocou um tipo de alergia.
Uma reação alérgica é uma resposta defensiva do corpo. O organismo se comporta em relação a ácaros, pólen, venenos de animais, medicamentos ou anestésicos como se combatesse parasitas ou bactérias invasoras. No caso das pessoas hipersensíveis -alérgicas- as armas de defesa causam danos ao próprio corpo.
Pessoas alérgicas têm uma predisposição genética -hereditária- a ter reações exageradas a substâncias que, para as demais, são quase inócuas. Elas fabricam em excesso uma proteína que ativa parte do sistema imune, o anticorpo chamado imunoglobulina E.
Guerra química
O sistema imune é capaz de lembrar dos inimigos do corpo. As unidades de memória do sistema defensivo são os anticorpos. Na maioria das alergias, é preciso que o organismo tenha essa memória para que seja desencadeada uma reação -quer dizer, é preciso um primeiro contato com o futuro causador da alergia para que o corpo aprenda a reagir.
Essa resposta é resultado de uma cadeia de acontecimentos e comunicações entre células, uma mobilização para uma guerra química.
O mecanismo que produz essas lembranças químicas do organismo é a sensibilização. Uma criança que durma num quarto cheio de tapetes e bichos de pelúcia, viveiros de ácaros, vai respirar esses pequenos animais. Dentro do seu corpo, células de defesa chamadas macrófagos vão atacar os invasores -os alérgenos- "comê-los" e despedaçá-los.
Os pedaços dos invasores alérgenos alertam outras células de defesa, os linfócitos T, que circulam pelo sangue e pelos órgãos. Avisados, os linfócitos T, entre outras tarefas, liberam uma substância chamada interleucina 4.
As interleucinas são os "telegramas" do sistema imune. Elas dão avisos às células que destroem agentes infecciosos e tumores, por exemplo. Um tumor é uma multiplicação anormal de células.
No caso da alergia, a interleucina, a do tipo 4, coloca em ação os linfócitos B, células produzidas na medula óssea. As células B produzem os anticorpos -no caso da alergia, a imunoglobulina E. Esse anticorpo é capaz de reconhecer um tipo específico de invasor. Isto é, foi produzido um anticorpo (imunoglobulina E ou IgE) para um invasor alérgeno específico.
Nesse estágio, a criança que respirou os ácaros está sensibilizada. Em invasões posteriores dos ácaros, o organismo dela vai reconhecê-lo. Algo semelhante ocorre na imunização por meio de vacinas.
Na vacinação, um agente causador de infecção enfraquecido, um vírus, por exemplo, é injetado no organismo. As células de defesa aprendem a reconhecer o causador da infecção e elaboram as armas para atacá-lo se houver uma infecção de verdade.
As IgE, por sua vez, são os gatilhos de outras células de defesa, como os mastócitos, onde elas se encaixam. Os anticorpos IgE são capazes de lembrar do invasor (o ácaro, por exemplo) para o qual ela foi fabricada e de prendê-lo.
Quando as imunoglobulinas prendem os invasores elas fazem os mastócitos dispararem substâncias (a histamina e leucotrienos, por exemplo). Essas substâncias mandam mensagens para o cérebro e para outras células de defesa, as que provocam a inflamação. A inflamação é a fase final da reação contra uma invasão, resultado da ação das substâncias liberadas pelas células de defesa.
Asma e choque anafilático
As mensagens que a histamina manda para o cérebro fazem com que o nariz invadido por alérgenos (pólen, ácaro) coce, provoca espirros e aumento de secreção nasal. Na asma, a histamina e os leucotrienos provocam espasmos e acúmulo de muco nos brônquios e bronquíolos, o que diminui o calibre desses condutores de ar no pulmão. A respiração fica difícil.
O choque anafilático é uma reação alérgica extremamente violenta. Nesse caso, são ativadas células de defesa que circulam pelo sangue -por todo o corpo-, os basófilos. Quando as IgE entram em contato com o causador da reação -veneno de abelha, anestésico ou medicamento, por exemplo- as substâncias tóxicas liberadas pelos basófilos diminuem o fluxo sanguíneo, prejudicam o coração e atacam os pulmões.

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