São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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A lei da educação

DARCY RIBEIRO
A Câmara dos Deputados discutirá e aprovará na próxima semana a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O texto básico dos debates será o projeto aprovado no Senado, que recebeu diversas emendas do relator da matéria na Câmara, deputado José Jorge, do PFL.
Trabalho nessa matéria há mais de 50 anos. Eu era ministro da Educação em 1962, quando se promulgou a lei anterior, melhorada quanto possível por alguns vetos presidenciais que propus. Isso significa que estou há décadas de mão na massa, mantendo sempre um vívido interesse pela matéria.
Quando o tema foi reaberto no Congresso Nacional, eu propus mais de 40 emendas. Posteriormente, quando ele veio ao Senado, eu consegui que meus pares substituíssem o projeto da Câmara por um novo projeto enxuto, sintético e renovador. Agora, é a vez dos deputados decidirem os rumos da educação brasileira.
Caso o projeto seja aprovado, tal como é posto em discussão com as emendas do relator na Câmara, teremos uma boa lei. Modernizadora, porque dará acesso à mais nova tecnologia educacional. Libertária, porque garante aos sistemas estaduais de educação e às universidades ampla margem de ação própria para adaptarem as diretrizes gerais às condições locais e às exigências específicas do ensino superior. Uma lei que ajudará muito o Brasil a superar seu vergonhoso atraso educacional. De fato, a educação que temos não corresponde ao desenvolvimento socioeconômico geral do país e contribui gravemente para o subdesenvolvimento em que estamos atolados.
Tenho apenas dois reparos graves a fazer. Primeiro, a exclusão dos parágrafos 2º (incisos I e II) e 3º do artigo 31 do substitutivo do Senado, que desacelera o processo de implantação das escolas de tempo completo, importantíssimas para as crianças das metrópoles, sobretudo das favelas e periferias. Com efeito, a desastrosa escola de turnos que temos, determinando estudos e exercícios para fazer em casa, supõe que a criançada pobre tenha casa com móveis e livros em que possa estudar e que conte com a ajuda de algum parente que já tenha estudado com proveito. Como isso não é verdade, a imensa maioria das crianças oriundas de famílias pobres, sem escolaridade prévia, fracassa na escola. Fracasso que não é delas, mas da escola inadequada para a maioria de seus alunos.
Na escola de tempo integral para professores e alunos, a meninada tem pelo menos uma hora de estudo dirigido numa sala em que encontra todo material didático e de apoio indispensáveis -dicionários, atlas etc. Essa sala é tão ou mais importante que o refeitório.
Meu segundo reparo diz respeito à supressão dos parágrafos 2º a 5º do artigo 88 das Disposições Transitórias. Essa supressão torna inviável a implantação da Década da Educação, que tentamos criar desde a Constituição de 86. Seu objetivo é estabelecer aquelas tarefas essenciais que permitam que toda a infância brasileira se integre dentro de dez anos na civilização letrada, sabendo ler, escrever e contar.

Darcy Ribeiro escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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