São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 1996
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O homem de ouro de FHC

LUÍS NASSIF

Tem problema no governo? Chame o Portella.
O homem de ouro do governo Fernando Henrique Cardoso não é PhD, não faz firula em macroeconomia nem se atribui a invenção da roda. Mas José Luiz Portella Pereira é a prova acabada de que, no governo, vale mais um gerente no chão do que dez intelectuais voando.
Trata-se do criador e formulador do "Alfabetização Solidária"-programa de alfabetização de adultos, lançado ontem em Brasília.
O programa pretende fazer, com menos de dez pessoas, o que o Mobral não conseguiu com 4.000 funcionários: implantar a alfabetização em nível nacional, simplesmente coordenando ações de universidades públicas e privadas, empresas e prefeituras -uma revolução desburocratizante na área social.
Livros escolares
Não é seu primeiro feito. No ano passado, coube a Portella a única ação efetiva da qual o presidente pode se vangloriar: pela primeira vez o Ministério da Educação e Desportos conseguiu entregar livros didáticos à rede pública antes do início do ano letivo.
A Fundação de Amparo à Educação (FAE), que ele foi presidir, tinha por missão adquirir o livro. Mas entregá-los não era problema dela. Nem de ninguém.
Consequência: em 1994, foram adquiridos US$ 150 milhões de livros, dos quais 40% chegaram ao seu destino depois do mês de junho -US$ 60 milhões jogados fora.
Portella firmou acordo com os Correios pelo qual a FAE pagaria qualquer despesa adicional necessária para garantir a entrega dos livros em qualquer localidade do país.
Em seguida, colocou seus 300 funcionários em campo, cada qual incumbido de visitar pessoalmente de 40 a 50 cidades, visando remover antecipadamente os obstáculos.
Antes do início das aulas, 98% das localidades já haviam recebido seus livros. No total, o governo gastou US$ 250 milhões, sendo apenas de 6% a 7% pelo custo da entrega.
Melhor: sair do casulo e enfrentar o mundo real conferiu outro sentido de missão à burocracia do FAE. Os funcionários sentiram sua importância nos mais distantes grotões do país e foram alvos de manifestações expressivas de gratidão, por parte de uma população que jamais recebeu nada do Estado.
Merenda escolar
O segundo desafio foi tornar eficiente o programa de merenda escolar.
No orçamento de 1994, dos US$ 720 milhões previstos para a merenda escolar, gastaram-se apenas US$ 400 milhões, por pura incompetência. Em geral, dos 180 dias letivos, a média de fornecimento de merenda escolar era de apenas 101 dias.
Em parte dos municípios, as prefeituras estavam inadimplentes, por não pagar contribuições sociais ou simplesmente por não ter prestado contas do dinheiro da merenda. E as crianças com isso?
De um lado, Portella tratou de reduzir a burocracia para a prestação de contas e regularizar a situação dos inadimplentes. Na outra ponta, tratou de acelerar a descentralização, atuando em duas frentes.
A frente mais óbvia foi acelerar a municipalização da merenda. Quando entrou, em 1.800 municípios as compras já eram efetuadas localmente. No final do ano, o número tinha saltado para 4.300.
A frente mais importante foi a "escolarização" da merenda -a própria escola recebendo os recursos e efetuando as compras.
A condição é a escola constituir um conselho de pais de alunos e professores.
Para estimular a adesão dos pais e alunos, as agências dos Correios passaram a estampar anúncios do MEC informando quanto tinham mandado para as escolas do município e um telefone para reclamações, caso a merenda não estivesse sendo entregue.
Foi feita uma experiência-piloto inicial com 130 escolas, escolhidas por amostragem em todo o país. Em algumas escolas, pais de alunos, aposentados, fazem as pesquisas de preço para a diretora. Pelas avaliações iniciais, o preço da merenda caiu em 30%.
Hoje, há "escolarização" total em Goiás, em Minas (cujo modelo já funcionava assim), na Bahia e na Paraíba.
Transportes
Portella tem 43 anos. Entrou na vida pública no governo Montoro. Foi secretário dos Transportes do prefeito Mário Covas e, depois, diretor do Hemocentro -o banco de sangue de São Paulo-, transformando-o em um dos cinco melhores do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Meses atrás, foi transferido pelo presidente para o Ministério dos Transportes, incumbido de acompanhar os 12 projetos que integram o programa "Brasil em Ação". Deixou sua equipe de 12 pessoas provisoriamente distribuída por três áreas, mas espera em breve reuni-la novamente.
Em um governo onde muitas vezes o academicismo procura mais explicações que soluções, Portella faz.

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