São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 1996
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Refém em 80 dá conselhos a seu colega

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Se pudesse falar com o embaixador Carlos Perez, seu colega Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva daria quatro conselhos a ele: faça ginástica pela manhã, organize uma rotina para o resto do dia, estude rotas de fuga para uma eventual emergência e pense sempre positivamente.
Poucos brasileiros estão tão habilitados quanto o embaixador Nascimento e Silva a dar esses conselhos: ele foi mantido como refém por 61 dias, entre fevereiro e abril de 1980, dentro da embaixada da República Dominicana, em Bogotá, por guerrilheiros do M-19.
Embaixador do Brasil na Colômbia, Nascimento e Silva representava o país numa festa na embaixada dominicana quando os guerrilheiros de esquerda invadiram o local atirando e fizeram 57 reféns.
Chegou a levar um tiro de raspão, na perna, durante a invasão, mas não se abalou.
"Toda manhã acordava cedo, fazia uma hora de ginástica. Depois, escrevia várias páginas, para manter contato com a realidade. Enchia meu tempo. Escrevi um catatau. Outro dia encontrei o diário, vi que tinha muita besteira", disse ontem Nascimento e Silva à Folha.
O número de reféns logo diminuiu. "Eles mesmos se deram conta de que não tinham meios de controlar tanta gente. Então, se livraram das mulheres, depois dos colombianos que não tinham valor de barganha. E cada vez que soltavam alguém, ganhavam uma publicidade boa", afirmou.
"É difícil controlar tanta gente. Tem de dar de comer, tem de ter banheiro. Não é sopa, não. Eles vão aproveitar, bancar os generosos e soltar vários reféns.".
Apesar do tiro e do longo cativeiro, o embaixador se recusou a depor contra o seus sequestradores e guardou boas recordações deles: "Fiquei amigo de vários. Eles tinham razão em muita coisa. As posições sociais deles eram perfeitamente compreensíveis", disse.
Hoje com 79 anos, aposentado e morando no Rio, Nascimento e Silva se recorda de ter trabalhado com Carlos Perez, no início dos anos 60, na Embaixada do Brasil em Londres. "Eu era encarregado de negócios e ele era terceiro secretário. Ele é bom, tem boa cabeça."
O sequestro acabou afetando positivamente a sua carreira.
Ao retornar ao Brasil, Nascimento e Silva foi recebido pelo então presidente João Figueiredo (que lhe fez perguntas sobre a "ideologia" dos terroristas) e, após algum tempo, foi promovido a embaixador do Brasil na Áustria.

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