São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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O limite da prudência

CELSO PINTO

Qual o limite para o buraco nas contas externas, além do qual seria imprudente deixar a economia caminhar sem aplicar um freio?
Desde a crise do México, em 94, convencionou-se dizer que um déficit em conta corrente (déficit comercial mais o de serviços) superior a 3% do PIB (Produto Interno Bruto) seria perigoso para países em desenvolvimento. O economista Edward Amadeo, da PUC do Rio, acha que outro indicador mais relevante é saber qual o tamanho do buraco externo anual em relação ao volume das reservas cambiais.
No México, antes da crise de 94, o déficit em conta corrente era maior do que o total das reservas. Na Argentina, o déficit externo equivalia a 70% das reservas.
Os dois países entraram em colapso, tiveram que fazer um enorme ajuste externo e hoje estão em posição bastante conservadora. O México poderá ter superávit e não déficit em conta corrente neste ano, e, na Argentina, o déficit externo neste ano equivale a apenas 13% do total de reservas.
O Brasil tinha uma posição muito confortável em 94, quando o déficit em conta corrente equivalia a apenas 4,4% do total de reservas. Desde então, embora tenha, como margem de segurança, elevado em US$ 20 bilhões as reservas cambiais, viu essa relação se deteriorar rapidamente. O déficit externo passou a equivaler a 34% das reservas no ano passado e deverá chegar a cerca de 36% neste ano.
Aí mora o perigo para o próximo ano. Amadeo argumenta que a economia tem crescido com vigor, o nível de atividade já superou o pico de 95 e a tendência natural será crescer uns 5% no próximo ano. Este ano e o próximo, combinados, vão produzir mais crescimento do que o início do Plano Real, em 94/95.
Não existe hoje a importação especulativa que havia no início de 95, mas o coeficiente de importações aumentou muito e não dá sinais de ter-se acomodado. Embora a redução de tarifas venha acontecendo com vigor desde o início dos anos 90, só a partir de 94, com a ajuda do câmbio valorizado, é que a economia começou a usar com mais vigor as importações. Dois anos e meio de aprendizado ainda é pouco para definir um patamar estável de importação.
O impacto já foi muito expressivo. A balança comercial do setor manufatureiro saiu de um superávit de US$ 10 bilhões em 1990 para um déficit de US$ 1,5 bilhão em 95. Essa piora de US$ 11,5 bilhões representou uma perda de 5% do produto manufatureiro de 1990.
Amadeo acredita que, se a economia crescer 5% no próximo ano, as importações poderão crescer o dobro, 10%. Não seria surpresa, portanto, se a balança comercial fechasse 97 com um déficit próximo a US$ 10 bilhões.
Somando esse déficit comercial com a deterioração de outros itens das contas externas, o déficit global de conta corrente poderá chegar a algo entre US$ 27 bilhões e US$ 28 bilhões.
Nesse caso, a relação entre déficit em conta corrente e reservas (supondo que elas ficariam estáveis) chegaria a cerca de 47%. Em outras palavras, se houvesse um colapso na entrada de capitais, o déficit consumiria as reservas em dois anos.
Uma relação desse tipo, a seu ver, deixaria o país mais vulnerável a qualquer piora nas condições de financiamento externo. Vários outros países em desenvolvimento têm déficit em conta corrente superior a 3% do PIB, mas a relação entre o déficit e as reservas tende a ser mais folgada.
Pelo dados de Amadeo, na Tailândia essa relação é de 40%, na Malásia, de 26%, e na Indonésia, de 43%. Usando dados do JP Morgan, pode-se acrescentar as Filipinas (22%), a República Checa (23%), a Hungria (19%) e a Colômbia (44%). Apenas na Coréia a relação é de 50%.
Amadeo acha que esse indicador é um limite de prudência que o governo olhará com cuidado. Se, de fato, a trajetória for nessa direção -pelo comportamento do déficit externo, das reservas, ou de ambos-, dificilmente Brasília deixaria de aplicar um freio na economia. Até porque qualquer ajuste teria que ser feito no próximo ano, já que o ano crucial é o da sucessão presidencial, em 98.

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