São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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Revelado esquema paralelo de venda de FM

ELVIRA LOBATO

ELVIRA LOBATO; JOSIAS DE SOUZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Com conexões no Congresso, grupo de lobistas comercializa emissoras por até R$ 150 mil

JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
Em investigação que durou duas semanas, a Folha comprovou a existência de um mercado negro de concessões de rádio no país. O esquema tem ramificações no Congresso Nacional.
Emissoras que ainda serão licitadas pelo Ministério das Comunicações estão sendo comercializadas por lobistas. O preço de uma concessão de FM pode variar de R$ 50 mil a R$ 150 mil.
Valendo-se de nomes fictícios, a reportagem da Folha conseguiu contactar cinco pessoas envolvidas no comércio de rádios. Há entre elas um deputado federal: João Iensen (PPB-PR).
As conversas foram todas gravadas. Surpreendem pela loquacidade dos personagens. O esquema é executado por Naura Beatriz Severo, assessora do deputado João Iensen. Nos corredores da Câmara, chamam-na apenas de Beatriz.
Ela comanda uma rede de agenciadores de concessões. Cobra R$ 50 mil por emissora obtida -R$ 25 mil no ato da assinatura do contrato e o restante após a liberação da rádio pelo Ministério das Comunicações. Os agenciadores recebem por fora. Suas comissões variam de R$ 10 mil a R$ 15 mil.
"Ou lhe dou a concessão ou lhe devolvo o dinheiro", diz Beatriz, em uma das gravações. A garantia de devolução do dinheiro está anotada em contrato cuja cópia foi obtida pela Folha.
Em outra gravação, o deputado Iensen é enfático: "Ela (Beatriz) tem uma equipe de engenheiros. Eles fazem o projeto de viabilidade técnica. Eles têm bom acesso ali no ministério."
O parlamentar vai além. Convida o interlocutor para uma conversa a três: "Então venha ao meu gabinete depois do dia 6 (de janeiro). Venha no dia 6. Chamo a Beatriz aqui e a gente agiliza tudo para você. Sem problema nenhum".
Em seus contatos com as pessoas envolvidas no esquema das concessões, os repórteres se fizeram passar ora por empresários, ora por pastores evangélicos. Simularam interesse na compra de concessões de rádio.
Beatriz falou ao telefone com o empresário José Carlos Alves Ribeiro, um dos personagens fictícios criados pela reportagem. Na gravação, a lobista diz ter amplo e irrestrito acesso à pasta comandada por Sérgio Motta
"Começa no protocolo, vai à parte técnica, jurídica, à chefia de gabinete, ao secretário de outorga e ao ministro." O repórter da Folha, ainda na pele de empresário, duvida: "É tão pouco dinheiro para o ministro estar envolvido."
E Beatriz, enfática: "Mas ele tem participação. Não exatamente nessas coisas, mas nas outras que a nossa equipe faz, entende? São coisas bem maiores. Daí, é bem maior".
Ouvido pela Folha, Motta chamou-a de "vigarista", negou o esquema e afirmou que enviará o caso à Polícia Federal.
A reabertura das concessões para rádio e televisão vem sendo prometida, desde o ano passado, por Sérgio Motta. Ele se comprometeu a vender as concessões em concorrências públicas, sem levar em conta critérios políticos.
Desde o final do governo Sarney, há sete anos, não são emitidas novas concessões. Os primeiros 120 editais (de um total de 600 concessões prometidas por Motta) estão prontos desde abril. Mas a abertura das licitações vem sendo anunciada e postergada, sucessivamente, pelo ministro.
O grupo coordenado por Beatriz, com o apoio explícito do deputado Iensen, parece não ser a única no comércio de rádios. Durante a investigação, a Folha detectou indícios de que existem outros esquemas de intermediação atuando em São Paulo e em Minas Gerais. Chega-se a cobrar R$ 150 mil pela suposta garantia de uma concessão de FM.
O esquema funciona assim:
1) Há operadores espalhados pelo país. Eles oferecem concessões principalmente a proprietários de rádios do interior e a igrejas evangélicas;
2) Como atrativo, asseguram a obtenção antecipada da concessão. Dizem ter influência no Ministério das Comunicações;
3) No caso do esquema chefiado por Beatriz, à medida que as pessoas são fisgadas pelos operadores, elas são encaminhadas para Brasília. Têm um encontro pessoal com a assessora e, eventualmente, com o próprio deputado.
4) Feitos todos os acertos, as partes assinam um contrato. O lobista compromete-se a entregar a concessão. O comprador paga metade no ato da assinatura do contrato e o resto depois que o ministério liberar a rádio.
Entre as pessoas contactadas pela reportagem da Folha, há dois operadores do esquema: um em São Paulo -Rubinaldo Cabral dos Santos, mais conhecido como Biná Cabral- e outro em Santa Catarina, Airton Malikoski.
A exemplo dos demais, ambos imaginaram que dialogavam com pessoas interessadas em adquirir emissoras de rádio. Cabral forneceu à reportagem os telefones celular e residencial de Beatriz.
Malikoski passou um fax com a relação das emissoras de rádio que poderiam ser negociadas e uma cópia do contrato de "prestação de serviço" que seria assinado por Beatriz, em Brasília.
Com a ajuda de um empresário paulista do setor de rádios, a Folha localizou um comerciante de Catanduva (SP), Francisco Vendemiatti, conhecido como Chicão, que, sem saber que a conversa estava sendo gravada, admitiu ter comprado uma concessão de FM em sua cidade por R$ 100 mil, dos quais metade já teria sido adiantada.
"Para você conseguir, tem de ser carta marcada (...), e, para eles marcarem, você tem que pagar", disse o comerciante, que não quis fornecer os nomes dos intermediários.
O contrato oferecido por Beatriz propõe a prestação de serviço de consultoria e assessoramento para obtenção de outorga de permissão para rádios FM. Se o cliente não conseguir a concessão, terá seu dinheiro de volta em, no máximo, oito meses.
A cláusula de devolução do sinal desmascara o caráter de prestação de serviço. Deixa evidente que se trata de estelionato ou pagamento de propina.
A assessora do deputado Iensen diz que os contratos são assinados em três vias: uma fica com ela, outro com quem pagou e a terceira iria para funcionários do ministério.
Se Beatriz fizesse um trabalho convencional, seu contrato não teria a cláusula de devolução de dinheiro, e o serviço custaria, no máximo, R$ 5 mil.
O advogado Fernando Perazzo, que atua em radiodifusão há 25 anos, diz que esse é o valor cobrado pelos escritórios mais conceituados do mercado e que o serviço abrange toda a assessoria necessária -projeto de engenharia de engenharia, inclusive- a uma empresa que vá disputar uma licitação para uma rádio no interior.

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