São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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Veja como foi realizada a investigação

DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalho de investigação realizado pela Folha começou a partir de uma denúncia anônima recebida pelo jornal no dia 5 deste mês.
Um homem, que se identificou como proprietário de emissoras de rádio, disse ter sido procurado por duas pessoas -cada uma com esquema próprio. Ambas lhe ofereceram concessões de rádio FM no interior de Minas, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Detalhe importante: conforme as regras fixadas pelo atual governo, as concessões serão vendidas pelo Ministério das Comunicações em concorrências públicas.
O empresário deduziu que os intermediários poderiam ser simples estelionatários ou membros de algum esquema de corrupção montado no próprio governo. Por temer a segunda hipótese, pediu para ficar no anonimato.
O empresário citou outros proprietários de rádios que também haviam sido procurados.
A reportagem da Folha entrou em contato com um deles -fazendo-se passar por alguém interessado em participar do esquema. Obteve então os telefones de Rubinaldo Cabral dos Santos (o Biná), intermediário do esquema de venda de concessões em São Paulo.
O telefone de Biná pertence à Federação dos Usuários de Transportes Coletivos de São Paulo, recém-criada pelo ex-deputado paranaense José Felinto. Biná é o diretor de patrimônio da federação e usa o local -uma sala no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo- como seu escritório.
Dias depois, a Folha contactou outro empresário de radiodifusão que também havia sido abordado por intermediários e obteve os telefones de Airton Malikoski, membro do esquema que atua em Santa Catarina.
Obteve também o telefone de um comerciante de Catanduva (SP), Francisco Vendemiatte, conhecido apenas como Chicão. A pista fornecida ao jornal indicava que Chicão havia comprado uma concessão de rádio em sua cidade.
A Folha discou para Chicão na segunda-feira, dia 16. Sem rodeios, ele confirmou ter fechado contrato com lobistas de Brasília, mas não identificou os intermediários.
No mesmo dia, a reportagem, agora identificada como pastor Dagoberto, contactou Airton Malikoski. Ele abriu o jogo sem reservas. Expôs as condições e "garantias" do negócio.
A bateria do celular de Airton acabou no meio do diálogo e a conversa foi retomada, na manhã seguinte. O repórter, agora travestido de pastor Onias, retomou o contato.
Na conversa com Onias, Malikoski esclareceu um dos pontos mais intrigantes dessa história, a origem da lista das rádios que estão sendo comercializadas.
O Ministério das Comunicações tem um plano básico com os canais de frequências de rádio disponíveis e já aprovados.
Por dedução lógica, os primeiros lotes de editais para concessão sairão para as cidades que constam do plano básico. Os intermediários estão vendendo as concessões baseados nesta lista.
Airton passou, por fax, a listagem das cidades que têm canal disponível e também uma cópia do contrato de "prestação de serviço" que seria assinado entre as partes, caso a negociação fosse até o fim.
Na terça-feira, foi feito o contato com Biná Cabral que, como Airton, mostrou-se ansioso em fechar logo a operação. Contou que havia vendido dez concessões para a Igreja Renascer.
Para provar que o esquema era "quente", Biná forneceu os telefones da assessora do deputado João Iensen, Beatriz Severo, que coordena a ação, em Brasília.
Em conversa, também por telefone, desta vez com o empresário José Carlos Alves Ribeiro, outro personagem criado pela Folha, a assessora confirmou o esquema, disse que há funcionários de todos os escalões do ministério envolvidos e, para completar, envolveu o deputado João Iensen.
Um telefonema do falso pastor José Carlos para o deputado encerrou a investigação. Na conversa, Iensen disse, sem que lhe perguntassem, que seriam liberadas algumas concessões para a igreja Renascer, as mesmas que haviam sido citadas por Biná. O deputado enredou-se no esquema.

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