São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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Cães de carne e osso se aproximam dos de desenho

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Não é um acaso se o marketing de "101 Dálmatas - O Filme" se apóia em dois aspectos: a presença de Glenn Close como a vilã Cruela de Vil e a humanização dos cães-intérpretes.
Só para recordar, a história é a de Pongo e Perdita, o casal de dálmatas -pertencente a Jeff Daniels e Joely Richardson- que tem seus filhotes sequestrados pela vilã Cruela. O sonho dourado de Cruela é fazer um casaco com as peles de 99 filhotes de dálmata. Ou seja, estamos, basicamente, diante da mesma fábula de "101 Dálmatas", desenho animado de 1961.
Atores, realizadores, todos dão copiosas entrevistas, discorrendo sobre o caráter dos cães. "Os cachorros deste filme são incríveis. Eles adoram aprender", diz Jeff Daniels, aproximando cães e crianças.
Joan Plowright vai mais longe: "Você acaba ficando hipnotizada (...); a inteligência deles é impressionante". Ou seja: é como qualquer pai falando de seus rebentos.
A insistência no tema é sintomática. "101 Dálmatas - O Filme" é feito para produzir, com figuras reais, o mesmo efeito do desenho criado pela própria Disney.
Mas o desenho, por natureza, atira seu espectador no registro da pura fantasia. Sua irrealidade é a própria fonte do encantamento que produz. Ele não precisa pedir licença para ser hipnótico. Ele é. Da mesma forma, o mundo humano e o mundo animal confundem-se como numa fábula.
Com personagens em carne e osso, o problema é mais complicado. A indiferenciação não está dada. É preciso criá-la.
Os artesãos da Disney certamente trabalharam nesse sentido. Ao mesmo tempo que procuraram acentuar a "expressividade" dos cães, rebaixaram a expressividade de parte do elenco (Jeff Daniels e Joely Richardson, em particular) a níveis quase caninos.
Close é uma estrela, uma "verdadeira atriz". O nome capaz de fazer o espectador acreditar que estamos diante "do filme" e não do desenho.
No entanto, tomaram-se todos os cuidados para caracterizá-la de tal forma que a atriz praticamente vira uma espécie de desenho animado em pessoa.
Com isso, "101 Dálmatas - O Filme" torna-se, antes de tudo, uma cuidadosa operação que visa ocultar o caráter burocrático de sua concepção.
Em linhas gerais, "O Filme" não é outra coisa senão "o desenho" com seres reais, no qual se ocultam, laboriosamente, os efeitos especiais (é no setor ocultação que se pode inserir o fato de os animais não falarem, ao contrário do desenho).
Como diversão familiar de fim de ano -que é o que se espera de um produto Disney-, quebra o galho. Mas seria possível esperar mais. Há cerca de um ano, "Babe, o Porquinho Atrapalhado" mostrou que é perfeitamente possível conciliar seres reais, fantasia e tecnologia, ao mesmo tempo que se introduz dignamente as crianças a uma experiência do mundo.
É isso que, no afã de ser um produto novo -sem perder contato com o antigo desenho- "101 Dálmatas - O Filme" não consegue fazer.

Filme: 101 Dálmatas - O Filme
Produção: EUA, 1996 Direção: Stephen Herek
Com: Glenn Close, Jeff Daniels, Joely Richardson, Joan Plowright
Quando: a partir de hoje nos cines Center Iguatemi 1 e 3, Ipiranga 2, Eldorado 1 e 2, Gazeta e circuito

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