São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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Cinema italiano tem 2ª morte

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Chega ao fim um sentimento de se atuar diante das câmeras de cinema, um senso profissional e uma fórmula sedutora únicas. A morte de Marcello Mastroianni sentencia como que uma segunda morte para o cinema italiano.
Antes de Marcello, foi-se Totó, há quase 30 anos, outro símbolo único da grandeza expressiva de um comediante. Totó trabalhava o deboche, contorcendo toda a sua "cara de borracha". A Marcello bastavam os olhos, o seu dom de expressar tristeza, espanto e consternação mesmo sorrindo.
A última aparição pública de Marcello foi em maio, em Cannes, já abatido pela doença, mas alegre e jocoso, ao lado da filha Chiara, para defender sua magistral interpretação em "Três Vidas e Uma Só Morte", de Raoul Ruiz.
O seu último registro cinematográfico está sob a responsabilidade de Manoel de Oliveira, com quem filmou em setembro "Viagem ao Começo do Mundo". Oliveira, o jovial veterano de 85 anos, dizia no intervalo dessas filmagens no Festival de Veneza ter finalmente decifrado o mistério de um ator que tão facilmente se afirmou com o alter ego do mestre Fellini.
Símbolo de todas as inquietudes dos anos 60, dos conflitos de classe e das crises existenciais numa Europa a pleno vapor do milagre econômico, Mastroianni viveu nos primeiros filmes desse período todos os personagens fantasmagóricos do inconsciente coletivo.
Em "O Belo António", de Mauro Bolognini; "A Noite", de Michelangelo Antonioni, e "A Doce Vida", de Federico Fellini, todos de 1960; "8 e 1/2", de Fellini, 1962; e "Os Companheiros", de Mario Monicelli, 1963 (filme que chegou a ser proibido pela censura brasileira), marcaram uma geração inconformista e ao mesmo tempo cativa das seduções do progresso.
Termina com Marcello também uma época de ebolição criativa, de pluralismo, de diversidade. O cinema dos nossos dias não precisa mais de Marcellos que encarnam sentimentos, resgatam pequenas alegrias e engrandecem personagens comuns do cotidiano.
O cinema de hoje glorifica apenas personagens de exceção, com quem devemos nos identificar só por escapismo, não pela emoção humanitária.
É difícil imaginar neste quadro embrutecido de produção de entretenimento o surgimento de novos Marcellos. Especialmente porque o custo industrial dos novos modelos de cinema não permitem mais explosões criativas como as do tempo que deram vida a Marcello Mastroianni.

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