São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Em seu olhar ele já estava longe'

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

O roteirista italiano Tonino Guerra, 76 -"quatro anos mais velho do que Marcello e a mesma idade de (Federico) Fellini"- fez dez filmes com Marcello Mastroianni.
Entre esses filmes estão alguns clássicos, como "A Noite", de Michelangelo Antonioni, "Ginger e Fred", de Fellini, e "Matrimônio à Italiana", de Vittorio de Sica, que une o par perfeito do cinema italiano -Mastroianni e a atriz Sophia Loren.
Sem a participação de Mastroianni, Guerra trabalhou no roteiro de outros clássicos de Fellini, como "E la Nave Va" e "Amarcord".
Com voz embargada, em francês, Guerra lembrou seu último encontro com Mastroianni, há poucos meses, durante um almoço em Santo Arcangelo, e a lembrança mais forte, a última frase do amigo: "Escute, Tonino...".
"Ainda estou aqui, esperando escutar o que ele queria dizer para mim", lamenta.
Pelo telefone, de sua casa em Pennabilli (Itália), Guerra deu o seguinte depoimento à Folha.
*
"Neste ano eu vi Marcello em Rimini, porque ele queria muito fazer o filme do (Theo) Angelopoulos. E há dois meses ele disse a Angelopoulos: 'Escute, é preciso que você procure um outro ator. Eu estou muito doente'.
"É preciso dizer que Marcello era não apenas um grande artista, mas um homem formidável.
"Ele era muito irônico sobre tudo, até mesmo sobre sua doença. E tinha uma grande gentileza. É difícil contar uma história sobre ele.
"Quando nós comemos pela última vez, em Santo Arcangelo, em um restaurante que se chama Zaghini, porque ele gostava muito do tagliatelli de lá, eu percebi em seu olhar que ele já estava muito longe.
"Em muitos momentos, ele me dizia, 'Tonino, escute...'. E o que me vem a memória, hoje, é ele se virando para mim e dizendo: 'Tonino, escute'. E eu perguntava: 'Então, o que é, Marcello?'. E ele se voltava, surpreso. Eu dizia: 'Você me chamou'. E ele dizia: "Ah, bom... Não me lembro, eu esqueci".
"Eu guardei comigo esse dia, a última vez em que o vi. Recordo que ele se levantou em direção à luz que entrava pela porta com os ombros pouco leves, ombros doentes, como alguém que desejasse permanecer no ar luminoso, nos momentos luminosos.
"E pensei que ele estava abandonando tudo na luminosidade dessa luz... É bastante difícil falar... Isso é tudo."

Texto Anterior: "Ator simbolizou uma era", diz Paolo Taviani
Próximo Texto: Mix Music 97 quer lançar alternativos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.