São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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Cultura de demissão

JOSÉ SARNEY

Benedito Valadares, que ocupou um grande espaço no folclore político do país, mineiro calado e sagaz, dizia que "a inimigo não se pede nada, nem demissão". Lembro-me dele ao ouvir as queixas da área da Administração, decepcionada com o baixo índice dos pedidos de demissão.
Chegou mesmo um burocrata a construir uma teoria sobre o brasileiro, um sujeito que gosta de emprego público, carrega a indigesta cultura nacional de não pedir demissão, teorizando que os programas de demissão voluntária foram decepcionantes.
Brasileiro não pede demissão, só nomeação. E como exemplo desse exemplo invocou o nosso Pero Vaz de Caminha (que não sei por que entrou nesse programa do "Demita-se Logo e Ganhe 25%"), que em sua famosa carta comunicava a descoberta e pedia ao rei um emprego para o genro.
A verdade é que os que pregam demissão pertencem a uma cultura nacional de julgar que é ultraje ser demitido. Eu sei bem o que significa, por exemplo, demitir um ministro: é inimigo na certa. Tanto é verdade que o Elio Gaspari falou que eu inventei uma fórmula de levá-los a violar a "cultura de não pedir demissão", com a teoria de "fritar".
Na França, o governo está preocupado com os pobres desempregados e em vez de estimular demissões faz um programa para evitar demissões e resolve diminuir as horas de trabalho, o tempo de aposentadoria e estabelecer normas para que a robotização não crie um mundo de máquinas e um cemitério de trabalhadores. Nos Estados Unidos e na Europa inteira só se fala na crise do desemprego.
Reflito sobre esse pobre povo trabalhador -ganhando miseravelmente, preso na sua única tábua de salvação, que o afasta da fome absoluta, esse pequeno e amaldiçoado emprego-, que é acusado de ter um dos mais terríveis males nacionais: não pedir demissão.
O emprego, que a Constituição diz ser um direito, é, neste momento de enxugamento, um privilégio. Ter um emprego é a coisa mais cobiçada do mundo, porque a taxa de desemprego é cada vez mais crescente e, só em São Paulo, na indústria, a estatística diz que é de 1 milhão de pessoas.
Tobias Barreto dizia que é mais fácil falar aos que têm fome do que àqueles que estão de barriga cheia. São justamente os bem empregados que dizem que os pequenos empregados devem deixar os seus empregos e ter coragem de ir à luta, montar uma empresa, criar um empório, ser rico! Coitado do barnabé, sem dinheiro nem para respirar e ainda acusado de débil mental, porque não pede demissão, e de imbecil, porque não deseja ficar rico.
Esses programas de demissão voluntária ou involuntária, nesta época, têm todos os pecados e o menor deles é violar a "lei Magalhães Pinto".
Certa vez, quando ele era governador de Minas, veio um conselheiro e disse-lhe para demitir um secretário de Estado. Magalhães respondeu: "Em dezembro não. No mês do Natal não se demite ninguém".
É realmente o que já se tornou diagnóstico nacional: o samba do crioulo doido.

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