São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 1996
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Lebrun diz ser gay, mas nega pedofilia

BETINA BERNARDES
DE PARIS

Filósofo francês afirma ter tido relações sexuais com gari que o acusa, mas que não encomendou fotos pornográficas

O filósofo francês Gérard Lebrun, 66, negou ontem, em entrevista à Folha, que tenha recebido ou encomendado qualquer foto envolvendo sexo com menores de idade ao desempregado Argenil Pereira, 42. "Tenho uma relação de amizade com Argenil, e não sei o que o levou a fazer esse tipo de coisa, não sei o que aconteceu com ele na polícia", disse o filósofo, que afirma ser homossexual.
Pereira foi preso na segunda-feira, com fotos em que aparecia simulando sexo com duas meninas, de 7 e 9 anos. Ele disse à polícia que as fotos haviam sido encomendadas pelo filósofo.
Lebrun, que já morou no Brasil, vive hoje sozinho em um apartamento próximo à Gare du Nord, em Paris, cercado de livros.
Nos últimos dias, abalado pelas notícias, tem tomado calmantes.
Leia abaixo trechos da entrevista.
*
RELAÇÃO COM ARGENIL - "Conheço o Argenil desde os anos 70, quando ele tinha 18 anos. Não vou negar a amizade com ele só porque está preso. Já tivemos relacionamento sexual, mas depois nos tornamos apenas amigos. Ele não tem instrução, mas é um rapaz muito inteligente, não bateria papo com gente que me parece burra. Ele lê jornal todo dia, por exemplo. Nós almoçávamos juntos e conversávamos bastante, inclusive de política. Ele era muito extravagante quando conversávamos de sexo. Gostava muito de contar histórias de carnavais, da bicharada carioca, eu achava cômico, ele contava com juízo moralizador.
ACUSAÇÕES - "Isso que ele contou, visivelmente ele quer me botar na lama, considerando que ele está preso. Tenho estima por ele, tenho certeza que ele, se estivesse aqui agora, desmentiria o que contou. Eu lastimo e desminto que tenha encomendado ou recebido fotos, mas não vou dizer que ele é um sacana, não sei o que aconteceu com ele na polícia. A meu ver, foi uma tentação para ele dizer isso porque sou uma pessoa do establishment, ele sabe que sou conhecido no Brasil. Ele deve ter pensado, vou falar do Lebrun, talvez eu me livre dessa. Se enganou muito.
RAPAZES - "O Argenil não me servia de cafetão nem de procurador, não quero apresentá-lo como um santinho, nem a mim, eu mentiria se dissesse que ele nunca me apresentou rapazes. Ele é um bom rapaz, não é um malandro. Também não vou dizer que ele era um prostituto, embora algumas vezes, quando estava sem dinheiro, fizesse concessões.
Se eu falasse que ele nunca me apresentou menores de idade, talvez eu mentisse. Porque o Argenil me apresentou rapazes, mas não pedi a carteira de identidade. Uma pessoa de 17, 16 anos, pode parecer de 18, não pedi carteira.
FOTOGRAFIAS - "Nunca encomendei nem recebi qualquer fotografia de sacanagem do Brasil. Sou professor universitário, pertenço à comunidade científica, a menos que fosse completamente louco faria isso. É verdade que fui um pouco irresponsável nessa história, confiando demais em um cara por quem eu tinha amizade. Mas, mais uma vez na minha vida, pequei por confiança exagerada. Eu guardo minha amizade por ele. Mas, nessa situação, eu pediria fotografias do Argenil para revender? Não quero me fazer de santinho, não é meu gênero. É verdade que de vez em quando eu recebia fotografias, não de sacanagem, porque não gosto de pornografia. Recebia fotos de rapazes pelados, mas nunca do Brasil nem de particulares, há agências para isso.
O Argenil se comprometeu, não sei por que, no começo de julho, a me mandar fotografias. Me escreveu para me prometer fotografias. Depois ele me escreveu que não, que seria perigoso mandar fotografias, eu respondi que é claro que seria perigoso. Eu estranhei que realmente ele quisesse levar esse projeto a cabo. Eu respondi de brincadeira, uma repórter me falou que usei um código, que escrevi algo de lobo mau e chapeuzinho vermelho. Quando escrevo para amigos sou muito livre e gosto de piadas. Não eram cartas de encomendas de fotografias de sacanagem, era brincadeira.
O que pode ter acontecido é o Argenil ter mostrado fotografias, mas fotografias decentes, de carinhas da idade dele, ele dizia: 'É meu primo'. Ele tem primo que não acaba. Ele dizia: 'Você gostaria de encontrá-lo?' Eu dizia, você sabe que é mau cafetão. Tenho fotografias de Argenil comigo, na sacada do meu apartamento. Em nome da simples verossimilhança, na minha posição na França, professor universitário não ganha tanto, mas para que ia querer fotos, para revender, para fazer um bico? É o fim da picada.
FELICIDADE - Não posso dizer que sou feliz, mas ficaria muito mais abalado por essa história se tivesse uma vida social intensa. Eu vivo solteiro, vivo muito sozinho. Desde que meu filho, meu melhor amigo, morreu, sete anos atrás, tinha 27 nos, só frequento alguns colegas, amigos, professores que preparam trabalhos comigo na universidade. São minhas únicas companhias. Sei que esses amigos, quando ouvirem falar dessa história, não vão virar as costas para mim. Não tenho vida social, não arrisco não ser mais recebido no salão da senhora X ou Y.
Não tenho a menor ilusão, no tempo da mundialização, o Brasil é muito perto da França, isso vai se espalhar na universidade francesa. A filosofia aqui tem bastante relações com o Brasil, é uma aldeia, e, como em todas as aldeias, eles gostam de fofocas, e uma fofoca desse tamanho vai fazer sucesso.
HOMOSSEXUALIDADE - Não é meu hábito falar de homossexualidade. Detesto militância homossexual. Não posso dizer que nunca escondi, que sempre assumi. Se não, por que teria casado, tido um filho? Eu tenho 66 anos agora. É claro que era notório que tinha fama de homossexual, como poderia negar, seria ridículo negar, mas nunca tive o mau gosto de me vangloriar disso. Falar em conversas com amigos, sim, mas fazer profissão de fé, não. Não é meu estilo.

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