São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 1996
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Globalização do Itamaraty fica legível

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Fala-se muito da globalização da economia brasileira, das políticas de abertura e modernização, da reestruturação industrial, enfim, de uma ampla pauta ligada às modificações recentes na inserção internacional do país.
Mas, paradoxalmente, há relativamente pouco material disponível sobre uma instituição, o Ministério das Relações Exteriores, no qual, afinal de contas, há décadas os desafios da "globalização" têm sido pensados, levando à formulação de políticas cruciais muito antes de o tema virar modismo.
Em resumo, embora a globalização seja um tema que remete invariavelmente ao "futuro", a questão tem um passado. Pouco discutido e acessível a poucos.
Os dois volumes lançados na semana passada, parte de um projeto que inclui outros dois, denominados "Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990)", têm o mérito de colocar em primeiro plano exatamente o caráter econômico dos condicionantes da política externa brasileira.
A publicação é organizada pelo professor José Augusto Guilhon de Albuquerque, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP, no qual este articulista é professor visitante.
Estão envolvidos no projeto o próprio Itamaraty e uma rede de universidades que inclui, além de vários centros da própria USP, a UnB, a PUC-RJ, a Unicamp, a Unesp, a UFRGS, a FGV-RJ, o Cedec. Além de multi-institucionais, os volumes são "multi" ou interdisciplinares.
O primeiro volume, "Crescimento, modernização e política externa", serve como uma excelente introdução às várias etapas da história diplomática brasileira neste século, sobretudo com o estudo de Hélio Jaguaribe "Evolução da política externa".
Rubens Ricupero contribui com um estudo de síntese interpretativa, ressaltando a dimensão pragmática da política externa brasileira e o papel central das questões militares e dos Estados Unidos nas definições estratégicas do país.
Mas o que se percebe ao longo dos vários textos é a gradual emergência de uma percepção talvez até precoce, por parte da diplomacia brasileira, da necessidade de ir além do mundo polarizado que caracterizou o pós-guerra.
Hoje, fala-se mais numa vocação do Brasil para ser "global trader", um comerciante global que não deve dar prioridade ao mercado norte-americano mas abrir-se a alianças diferenciadas, tanto ao Norte como ao Sul. O livro permite compreender como essa opção pragmática por uma inserção internacional diversificada teve origens mais longínquas do que normalmente se imagina.
O segundo volume, "Diplomacia para o Desenvolvimento", projeta luzes sobre o período mais recente e sobre temas de natureza especificamente econômica, tratando de Mercosul e Nafta, das posições brasileiras diante do processo de liberalização comercial ao longo da história do Gatt e das relações com a Europa.
Para um público mais amplo, essa é, provavelmente, a primeira vez que se tem acesso a um conjunto de textos escritos por diplomatas que participaram ativamente da formulação das políticas que eles mesmos comentam.
Em alguns casos, o retrato assume tonalidades tipicamente "diplomáticas". Marcílio Marques Moreira, por exemplo, afirma que "a lição a ser aprendida no atual contexto mundial é a de que não é nem totalmente negro, nem róseo. Ao contrário, envolve um caleidoscópio de claros e escuros, com cuja volatilidade precisamos aprender a conviver, aproveitando oportunidades potenciais, minimizando custos inevitáveis e afastando os riscos mais acentuados".
Outros assumem um discurso mais propositivo e até crítico, de certa forma lamentando até os efeitos que um ambiente externo mais complexo tem sobre a capacidade de atuação do Itamaraty, como Luiz Augusto Souto Maior, no final de sua resenha histórica.
O fato mais marcante da diplomacia econômica brasileira recente, que fica ilustrado em vários textos nos dois volumes, é a dificuldade crescente para definir o que seja o "interesse nacional".
Durante a Guerra Fria e mesmo ao longo de governos autoritários ou palidamente democráticos, o Itamaraty praticamente reinou soberano na definição e implementação de políticas externas.
Nos últimos anos, além da globalização (que torna mais complexa a realidade internacional), ocorrem processos de democratização formal e substantiva que dificultam ou até impedem a manutenção desse status meio aristocrático do ministério.
Ou seja, torna-se mais difícil definir o que seja o interesse nacional porque os limites do Estado diluem-se. Mas também porque a sociedade é mais complexa, inclusive tecnicamente.
Os diplomatas mostram que têm consciência do desafio. Azeredo da Silveira já insistia, como lembra Paulo Tarso Flecha de Lima, que "as chancelarias não podem ser torres de marfim". Mas, para superar o isolamento, a diplomacia depende também de a sociedade estar mais informada. Com esses volumes, isso agora fica mais fácil.

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