São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 1996
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Evita: santa ou prostituta?

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Santa, imagem de meiguice maternal e abnegação" ou "prostituta, arrivista e sedenta de poder"? Desvendar o mito Evita não parece tarefa fácil. Os argentinos continuam trazendo à tona versões sobre sua vida e depoimentos de quem conviveu com a mulher do ditador Juan Domingo Perón.
Vide a quantidade de livros lançados sobre ela. São pelo menos cinco na Argentina, além da reedição de seus diários. No Brasil, após o romance "Santa Evita" de Tomás Eloy Martínez, é publicada agora a biografia "Eva Perón - A Madona dos Descamisados", que traz as frases citadas acima.
O livro já vendeu 25 mil cópias na Argentina e é a única biografia propriamente dita, pois não mistura realidade e ficção nem foi escrito por alguém ligado a Evita.
Abrange da infância à morte da líder argentina, abordando as versões de seu envolvimento com nazistas, as aventuras sexuais para se manter como atriz de rádio e cinema e a relação com o ditador.
Poderia-se arriscar a dizer que boa parte do interesse sobre Eva Maria Duarte Perón (1919-1952) vem do barulho provocado pelo lançamento do filme de Alan Parker, protagonizado por Madonna.
No entanto, na opinião da escritora Alicia Dujovne Ortiz, que visitou o Brasil na última semana para lançar a biografia, trata-se de fenômenos separados. "Foi uma coincidência entre escritores, mas não se pode confundir uma aventura intelectual de revalorizar o passado argentino com um produto de marketing", disse à Folha.
Filha de intelectuais de esquerda antiperonistas, Dujovne resolveu fazer o livro a partir da sugestão de um amigo escritor. Entrevistou 50 pessoas, recolheu toda a bibliografia e trabalhou por quatro anos.
O resultado é uma interpretação sobretudo do relacionamento Eva e Juan Perón. "Entre eles se estabeleceu essa espécie de mal-entendido que está na base de todas as histórias de amor: ele pensa que pode manipulá-la, ela pensa o mesmo. Dominam-se, manipulam-se um ao outro, não se sabe quem é senhor, quem é escravo."
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Folha - Quais foram os principais depoimentos em sua opinião?
Alicia Dujovne Ortiz - Destacaria o do confessor de Evita, o padre Hernan Benítez, e os das mulheres que a acompanharam num primeiro momento no Partido Peronista Feminino. Já não eram fanáticas como na época do peronismo e do antiperonismo e contaram tudo o que nunca havia sido publicado antes, sobre a relação de Eva com Juan. Evita tinha uma ambição pessoal impossível para uma mulher naquele momento.
Folha - É possível dizer que seu livro interpreta sentimentos e motivações de Evita?
Dujovne - Eu não iria fazer uma biografia seca, de universitária, anglo-saxônica, com apenas fatos. E a percepção psicológica é algo que está em mim e, provavelmente, na mentalidade argentina.
Não poderia deixar de ver a relação com esse marido que começa a ter cada vez mais ciúmes dela. É um livro para o grande público.
Folha - O que acha das reações provocadas pelo fato de Madonna interpretar Evita?
Dujovne - Na Argentina, basta um pequeno grupo de fanáticos gritar forte para parecer que o povo argentino está todo furioso. Não foi assim. Acredito que o povo argentino de hoje tenha outros problemas muito mais concretos. O fanatismo já não é popular. A Argentina de hoje reage de forma muito mais racional.
Folha - Afinal, quem foi Evita?
Dujovne - O mais importante no meio dessas contradições, desse passado pecaminoso que não me preocupa porque sou uma mulher de hoje, é que há alguma coisa básica. No meio dessa multiplicidade de personalidades de Evita, a personalidade central é uma mulher capaz de levar ao extremo uma paixão, de morrer por uma paixão, isso é o fundamental.

Livro: Eva Perón - A Madona dos Descamisados
Autor: Alicia Dujovne Ortiz
Lançamento: Record (416 págs.)
Quanto: R$ 35

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