São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 1996
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Crescimento vertiginoso

NEY SUASSUNA

A preocupação com o abuso diz respeito a todos os que se interessam pelo fortalecimento e pela consolidação da democracia no Brasil. Não só o volume de medidas provisórias, "per se", mas também a evolução da sua utilização nos governos após a Constituição de 1988 acusam um crescimento vertiginoso.
Senão vejamos: o presidente José Sarney editou 138 medidas provisórias em 1.825 dias de governo, ou seja, 1 a cada 13 dias. No governo Fernando Collor, que durou 870 dias, foram editadas 160 MPs: 1 a cada 5 dias. À época de Itamar Franco, 790 dias de governo, editaram-se 505 MPs, isto é: 1,5 MP a cada dia. Já no governo Fernando Henrique (695 dias até 30/10/96, quando realizamos esta estatística), foram editadas 1.024 medidas provisórias, elevando a média para (pasmem os leitores) 2 a cada dia!
Ora, o fato de o governo ter "herdado" x medidas provisórias dos seus antecessores não justifica a reedição. Não existe preceito constitucional a obrigá-lo a tal procedimento; as medidas provisórias não apreciadas extinguem-se automaticamente, perdendo eficácia, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição Federal, inexistindo qualquer obrigação do chefe do Executivo no tocante à reedição.
A rigor, inexiste a reedição. O Congresso Nacional recepciona cada MP, original ou reeditada, como se nova fora, uma vez que o processo legislativo é iniciado em seus primórdios: é publicada no "Diário Oficial da União", encaminhada por meio de mensagem ao Congresso Nacional, feita a leitura em plenário, indicados os membros, instalada a comissão e fixados os prazos de tramitação, exatamente nos moldes de medida que chega pela primeira vez ao Congresso.
Nada assegura, regimental ou constitucionalmente, que os membros da comissão, incluindo presidente e relator, sejam os mesmos quando da reedição.
Por outro lado, muitas vezes o governo tem introduzido mudanças no mérito, configurando proposta legislativa inteiramente diferente das anteriores.
Logo, não prospera o argumento das MPs herdadas dos antecessores nem o da simples reedição: a cada 30 dias o governo toma, livremente, a decisão de enviar esta ou aquela (no caso, infelizmente, esta e aquela) medida provisória, devendo assumir a responsabilidade da iniciativa.
Finalmente, deve-se ressaltar a co-responsabilidade do Legislativo perante a situação atual. De um lado, o Executivo abusa do conceito de urgência e relevância para abarrotar o Congresso de medidas provisórias, usurpando a sua competência de legislar; de outro, o Congresso não se empenha efetivamente em votar aquelas em tramitação nem em disciplinar o seu uso.
Nesse jogo de conveniência, perde o país, que passa a ter um ordenamento jurídico provisório.
Aliás, é tão constrangedor o volume de MPs em tramitação no Congresso que o governo, recentemente, adotou um artifício para esquivar-se do rótulo de usurpador: passou a fazer acompanhar o número da MP de um dígito indicativo da quantidade de reedições, buscando, dessa forma, atribuir parte da responsabilidade pelo escândalo quantitativo do instrumento aos seus antecessores.

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