São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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O 'milagre' da inflação

CELSO PINTO

Discutir se alguns índices de inflação vão ou não fechar em um dígito neste ano é inteiramente irrelevante. Neste segundo semestre, a inflação, anualizada, já está mais perto de 5% do que de 10%.
O mais extraordinário é que isso está acontecendo exatamente no período em que a economia retomou com mais vigor seu crescimento. Os que ainda imaginam que inflação só cai com recessão devem estar espantados.
Não foi só esse tabu que a inflação quebrou neste ano. Ela caiu sem parar apesar dos "choques" de preços agrícolas e de tarifas governamentais. Provou que o preço dos serviços, menos sujeitos à competição, acabam caindo. Mostrou, ainda, que pode haver desindexação, mesmo num país que conviveu 30 anos com preços e salários indexados.
Dois fatores básicos operaram o milagre inflacionário: as importações e a política monetária restritiva. É impressionante o poder da competição dos importados sobre os preços industriais. Neste ano, os preços industriais, sujeitos à concorrência externa, medidos pelo IPA-Industrial, subiram apenas 2,7% nos 12 meses encerrados em novembro. Ou seja, a indústria já está vivendo num mundo de inflação de país desenvolvido. A concorrência dos importados é poderosa pela combinação de três fatores: tarifas baixas, câmbio sobrevalorizado (que torna os importados baratos em reais) e o fato de a economia já estar convivendo com a abertura comercial há alguns anos. O impacto é impressionante: em dois anos e meio de Plano Real, os preços industriais subiram apenas 19,6%.
O outro operador do milagre dos preços foi a política monetária restritiva, a alavanca que fez o país sair de um crescimento de 10% no início de 95 para zero no início de 96. O tranco monetário visava mais as contas externas do que a inflação. Não há a menor sombra de dúvida, contudo, de que foi essa forte desaceleração que quebrou a espinha dos preços não sujeitos à concorrência internacional.
O que aconteceu nessa área também é impressionante. Os serviços subiram 51,8% no ano passado e apenas 12,7% neste ano até novembro. Os preços administrados ou sujeitos a contratos, como aluguéis e mensalidades escolares, subiram 87% no ano passado e 25,2% este ano. Os aluguéis, isoladamente, que tinham disparado 160,4% no ano passado, subiram 30,7% neste ano. Desde o início do Plano Real, os aluguéis já subiram 518%, e os serviços, 130%, o que dá uma idéia da força da desaceleração recente. A retração na economia obrigou muitos serviços a ajustar seus preços a uma demanda mais fraca. Ajudou, também, a desindexar os reajustes salariais, que são um componente de custo importante no setor de serviços. As indicações são que boa parte dos dissídios já não tem incorporado automaticamente a reposição da inflação passada.
A convergência entre os preços de produtos sujeitos à concorrência de importados ("tradables") e os não sujeitos ("non-tradables") aconteceria de qualquer forma, como mostram, por exemplo, as experiências da Argentina e de Israel. Só que, provavelmente, demoraria mais tempo. Graças a este quadro geral, a inflação acabou caindo apesar do aumento de 25,7% nas tarifas até novembro (ainda sem contar a gasolina) e de 18% nos preços agrícolas. São dois preços cruciais que, no passado, tendiam a gerar aumentos em cadeia de todos os preços. O fato de ter havido aumentos desse porte e de o "núcleo da inflação", como define a LCA Consultores (preços industriais e de serviços), estar correndo a 5,4% ao ano em novembro, é um indício poderoso de quão competitiva e desindexada está a economia.
O milagre inflacionário, é claro, teve um preço. Para ele se perpetuar, é preciso que haja importações livres, câmbio moderado e dólares de sobra nos cofres. A trajetória preocupante da balança comercial deixa dúvidas se é possível equilibrar a área externa, a médio prazo, sem alguma correção mais forte na economia. A curto prazo, contudo, o céu é de brigadeiro.

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