São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996 |
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Uma carioca entre o caos e a beleza
MARCELO RUBENS PAIVA
Broto do samba funk use abuse, é vista do lado do morro, sob o calor e a brisa de Ipanema, Barra, Jacarepaguá. Em tudo que faz, ela é do Rio, pô!, capital do sangue quente, do melhor e do pior do Brasil. Era garota, lembra? "Você não soube me amar", repetia com a insistência de uma geração sem platéia; o país estava ocupado demais para notá-la e amá-la. Então alguém disse: o Brasil não é só Rio, e o Rio não é só zona sul, existem mais meses além de janeiro, e o mundo é maior que o Rio. Ah, sim, do mundo nada se leva, tudo se transforma, e o sample é um dedo de Deus, também avisaram. Renasceu Fernandinha Abreu. Sou brasileira, pô! Ela entendeu o recado. Chega de chorar a decadência do aqui, chega de fugir da violência e do convívio com o AR-15 e os cacos de vidro. Chega de saudades! Brasil em febre, Rio 40 graus. Fernandinha Abreu e Fausto Fawcett são os antropólogos poetas da mutação do país maravilha, purgatório da beleza e do caos. De quem é esse lugar? É meu, quero o meu crachá! E o ritmo é o funk batido na lata com samba digital, o novo som da praça do tal mundo global. Fernandinha vê: o túnel está parado, as balas estão perdidas, o caos está instalado, os edifícios têm dono, a subida do morro está tomada, mas a brasileira tem suingue e sangue bom -olha o jeitinho dela falar, dançar, olhar. Fernandinha é a releitura do ser brasileiro, que une a tristeza e a solidão da bossa nova, a alegria e a exaltação do carnaval, a influência fácil que atravessa por contrabando as cercas do protecionismo cultural, e faz um shake fervendo de balanço tropical. E, surpresa, ela não se deprime, morre de amores pelo povo bamba, e diz: quem foi que disse que miséria não sorri? Fernandinha Abreu não é só cantora/compositora, pô! Ela é um acontecimento, experiência da fusão de mil mundos que não se deixa levar pelo desencanto, nem pelo resultado desastroso da nossa história. Ela é uma resistência à falta de amor próprio que contamina costa a costa, norte a sul. Ela é o último grito de estima à nossa contradição. Professa a abertura de horizontes. Vamos lá, rapaziada, todo mundo dançando! O brasileiro é de festa, é de peso, é o país do suingue. É... Texto Anterior: Como se fosse a última vez Próximo Texto: Um explícito ritmo absoluto Índice |
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