São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Um explícito ritmo absoluto

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Daniela Mercury estourou nas paradas alguns anos atrás com "O Canto da Cidade", uma canção que se tornou um dos maiores hits dos últimos dez anos. A letra era pífia, e a melodia, banal. O sucesso, portanto, deveu-se à combinação de um ritmo forte e de certas características da cantora.
Ela começou pleiteando a vaga de uma espécie de Madonna brasileira. Ao contrário da americana, ela era naturalmente bonita e tinha uma voz no mínimo vigorosa. Mas a referida vaga não existia de fato, porque o fenômeno Madonna depende da aplicação do brilhantismo administrativo a uma economia de outra escala. No reduzido do nosso "showbizz", o fenômeno não pôde se repetir, e Daniela tornou-se uma cantora a mais.
É pena, pois além de seus dotes físicos e sonoros, ela talvez tenha sido a primeira a chegar a uma síntese importante.
Por um lado, descendendo, embora de forma muito diluída, dos baianos, cuja obra representa a última tentativa bem-sucedida de fazer MPB que fosse também, pelo menos parcialmente, cultura, ela era um antídoto decente ao falsete desdentada e melosamente esganiçado do "sertanojo" quase hegemônico.

Por outro, se era necessário apostar num elemento que cativasse o maior público possível, a variedade rítmica oriunda, via Bahia, da África era a melhor escolha.
E isso, amalgando-se numa mise-en-scène pautada pela explicitação visual absoluta do ritmo, transformava o formato acadêmico da aeróbica numa manifestação tipicamente moderna, urbana.
Pode-se até não gostar, mas, para a cultura de massas do Brasil nos anos 90, estava mais do que bom.

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