São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Cem anos da pressão arterial

EDNA MOURA ARCURI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A pressão arterial é um dos mais importantes parâmetros na avaliação do sistema cardiovascular porque indica as condições funcionais básicas para garantir necessário aporte de oxigênio às diferentes demandas do organismo.
A mensuração da pressão tem sido um procedimento fundamental na avaliação da saúde em todo o mundo e vem se apresentando como um grande desafio desde a primeira medida realizada pelo reverendo Stephen Hales, em 1733.
Esse desafio é caracterizado por tentativas de diminuir erros introduzidos durante a medida pela pessoa que registra a pressão arterial, pelo cliente e pelo esfigmomanômetro, o aparelho que a mede.
Em dezembro, comemora-se um século de medida da pressão arterial e de hipertensão. Antes de qualquer menção a Riva Rocci, que, em dezembro de 1896, apresentou o "nuovo sphygmomanometro", bastante semelhante aos instrumentos atuais, analisemos alguns acontecimentos que culminaram no invento italiano.
Descoberta da circulação
A descoberta da circulação sanguínea por William Harvey em 1628, mais de 3.000 anos após os egípcios terem feito referências às pulsações nas diversas partes do corpo, suscitou nos médicos da época a vontade de visualizar a pulsação sanguínea.
Em Middlessex, Inglaterra, 1733, o reverendo inglês Stephen Hales canulou a carótida de um cavalo e viu o sangue subir até 290 cm de altura, sendo esse o experimento conhecido como a primeira medida da pressão arterial.
Jean Léonard Marie Poiseuille não apenas introduziu modificações, tornando a coluna de vidro em forma de "U", como também desenvolveu em 1828 o esfigmomanômetro de mercúrio.
Karl Ludwig introduziu o quimógrafo em 1847, o que possibilitou a obtenção de registros gráficos das ondulações provocadas pelo fluxo sanguíneo.
O balão inflável
Em 1881, Victor Basch realizou o primeiro experimento não-invasivo, cujo princípio se baseava na compressão do braço com um balão de borracha inflável até que o fluxo sanguíneo parasse.
Essa bolsa era conectada a um manômetro, permitindo a leitura da força necessária para comprimir o vaso.
Em 1881, Rabinwitz aperfeiçoou o aparelho de Basch com base em um sistema que compreendia o balão distensível e um registro baseado no manômetro de mercúrio, conectados por um tubo de borracha, sendo a pressão transmitida por água. A originalidade consistia em fixar a bolsa de borracha usando uma bandagem. Porém, através de uma pêra de borracha, poderia ser injetada mais água na bolsa e, portanto, maior compressão sobre a artéria. Em 1889, Potain substituiu a água por ar.
A contribuição de Rocci
A despeito da bravura dos investigadores citados, o século que hoje se comemora teve origem no trabalho de Scipione Riva Rocci.
Movido pela necessidade de conhecer a medida da força do sangue, ele não mediu esforços no aperfeiçoamento do esfigmomanômetro de Vierordt.
Em dezembro de 1896, o invento, cujo manguito permitia a melhor compressão da artéria, foi desenvolvido na clínica de Forlanini, de Turim. Esse método era ainda palpatório, possibilitando estimar apenas o valor da pressão sistólica do sangue, a qual indica a maior pressão nas artérias no momento da contração cardíaca.
Entretanto Von Recklinghausen demonstrou que os manguitos de Riva Rocci, com apenas 4,5 cm de largura, hiperestimavam a pressão, resultando em leituras erroneamente altas.
O método auscultatório
Nicolai Korotkoff introduziu em 1905 o método auscultatório para as medidas das pressões sistólica (máxima) e diastólica (mínima).
O método auscultatório consiste inicialmente na interrupção do fluxo laminar do sangue, quando a compressão do manguito atinge um nível de pressão maior do que a da sístole cardíaca.
Ao abrir a válvula que permite a saída do ar da câmara de borracha, inicia-se a descompressão da bolsa e consequente passagem do sangue em alta velocidade, que entra em turbilhão quando sai da parte comprimida distal do vaso e atinge o segmento fora da área do manguito. Esse fenômeno de turbilhonamento é caracterizado pela formação de rodamoinhos que geram sons, os quais podem ser captados pelo estetoscópio colocado logo abaixo do manguito.
Assim, cada sístole cardíaca provoca um novo fenômeno de perturbação, e novos sons de Korotkoff são gerados. À medida que progride a abertura da válvula, o vaso retorna à sua forma normal, abafam-se os sons de Korotkoff até desaparecerem, e o último deles representa a menor força mantida no sistema, durante a diástole, fase de relaxamento cardíaco.
Contribuição do Brasil
A contribuição brasileira para a compreensão dos fenômenos da pressão arterial, gênese e o tratamento da hipertensão, foram relevantes. Os estudos do fundador da Sociedade Brasileira de Hipertensão e atual presidente da Academia Brasileira de Ciências, Eduardo Moacir Krieger, propiciaram melhor compreensão do papel dos barorreceptores na regulação da pressão arterial.
A descoberta de substâncias vasoativas a partir da identificação da bradicinina por Maurício Rocha e Silva e do fator de potencialização deste polipeptídio por Sérgio Ferreira, resultaram num fantástico desenvolvimento no campo dos fármacos hipotensivos.
Paralelamente ocorrem esforços na busca da precisão da medida da pressão, caracterizados por três tipos de iniciativas, que visam evitar as fontes de erros:
1. Erro provocado pelo observador que mede a pressão: estudos como o de Araujo (1994), identificando importantes lacunas no conhecimento dos profissionais, uso de estetoscópios duplos no ensino e pesquisa.
2. Erro devido ao instrumental: além de imprecisão dos manômetros e vulnerabilidade dos instrumentos digitais, neste final de século discute-se mais a influência da largura do manguito, hiperestimando a pressão em braços grossos e hipoestimando em braços finos, o que pode resultar em falso diagnóstico no obeso ou falta de diagnóstico no magro. Nesse, a quantidade de droga hipoestimada pode prejudicar o tratamento, como foi sugerido por Arcuri em 1989.
3. Erro devido a influência do próprio cliente na medida: Por razões emocionais, pode ocorrer elevação da pressão arterial diante do médico. Esse fato desencadeou o desenvolvimento de aparelhos portáteis, que registram a pressão na casa do paciente, no local de trabalho etc., cujo nome no Brasil é Mapa (monitoração ambulatorial da pressão arterial).

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