São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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A debochada garota do velho rock

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A primeira coisa que vem à cabeça ao ouvir uma jovem cantora como Björk, ao mesmo tempo em que se promulga admiradora de Elis Regina, alardear com um certo ressentimento que tem pena da canadense Alanis Morissette -por esta ainda estar presa ao velho mundo do rock-, é por onde andará Rita Lee.
Ao contrário de Elis Regina, Rita Lee não poderia jamais ser uma referência para Björk, entre outras coisas, porque sua proximidade ainda não permite nenhum tipo de glamourização, sua experiência não é suficientemente distante do esforço atual e desesperado do pop para sobreviver a si mesmo.
A imagem e a voz de Rita Lee estão associadas a um passado ainda muito recente para poder desfrutar das glórias da nostalgia. Mas é neste momento em que o pop em sua mesmice rebola pela sobrevivência, que essa voz tem mais chances de ressoar com uma dimensão trágica que, aliás, nunca fez parte de sua música: por ser o espelho, hoje, do que no fundo ele tenta recalcar.
A passagem dos dias
A voz de Rita Lee representa, no que tem de melhor, um pop mais inocente, menos auto-referente, difícil de se adequar a um novo mundo de marketing e globalização. A alegria e a diversão de um rock mais infantil e livre que ainda tinha o poder de rir de si mesmo. Embora, sem conseguir manter-se mutante, Rita Lee não tenha resistido à passagem dos seus dias mais rebeldes para um pop mais comercial, de trilha de novela, assumindo com o decorrer dos anos a imagem de uma menina, por vezes melosa, que cresceu demais sem se tornar adulta, a que se resume a sua pequena tragicomédia.
E, justamente por ser o vestígio de um pop menos cínico, mais lúdico e tolo, a voz brincalhona de Rita Lee não poderia ter eco no novo limbo de uma rebeldia profissionalmente arquitetada e bem-sucedida. Porque, ao sucumbir, ao se pasteurizar na passagem para esse mundo menos livre e divertido, ela se tornou, mais que repetição, a caricatura de uma menina velha, a imagem que a nova música pop simplesmente não pode reconhecer nem suportar em si mesma.

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