São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Palestinos constroem colônias judaicas

JUAN CARLOS GUMUCIO
DO "EL PAÍS", EM JERUSALÉM

O governo de Iasser Arafat está esbarrando em obstáculos na sua busca de alternativas para o crescente número de palestinos que têm de ganhar a vida construindo casas para colonos judeus nos territórios ocupados.
"Nós nos opomos à construção e ampliação das colônias, mas a triste realidade é que há demasiados palestinos trabalhando nas colônias. Falta dinheiro e vontade política para impedir que braços palestinos somem-se ao esforço colonialista", afirmou ontem um importante funcionário da Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Na casa de Ibrahim, todos crêem que ele ganha dinheiro trabalhando numa fábrica de móveis perto de Tel Aviv. Mas o salário que leva para casa toda semana vem diretamente dos cofres do inimigo.
"É um verdadeiro dilema", diz Ibrahim, 35, pai de dois filhos pequenos e morador de um modesto apartamento na aldeia de Beit Sahur, na Cisjordânia, perto de Jerusalém. "Não me resta outra alternativa. Tenho de sustentar minha família, mas não quero que saibam de onde tiro o dinheiro. É uma pena, mas é assim", diz.
Como outros 12 mil operários palestinos na Cisjordânia, Ibrahim trabalha seis dias por semana construindo casas para os mesmos colonos judeus cuja presença em terras árabes está uma vez mais se tornando o centro de uma crise potencialmente explosiva entre o governo direitista de Binyamin Netanyahu e o de Arafat.
Não é um número elevado, se comparado aos aproximadamente 140 mil palestinos que, em circunstâncias normais, trabalham regularmente em Israel.
Estigma
Mas o fato de que operários como Ibrahim estejam ajudando a construir o sonho dos colonos judeus, furiosamente racistas, é um estigma socialmente tolerado, mas moralmente indelével.
"Se Arafat quer que deixemos de trabalhar para os judeus, que seu governo nos dê trabalho", disse Abed, companheiro de Ibrahim, que trabalha na expansão da gigantesca colônia judaica de Male Adumim, junto a Jerusalém.
Toda manhã chegam à colônia mais de 600 operários palestinos ansiosos por ganhar um salário diário equivalente a US$ 15.
"Dói para nós construir casas para os judeus que se apoderaram de nossa terra, mas temos de ganhar a vida e sustentar nossas famílias", disse o operador de uma betoneira de cimento que, como a maioria dos trabalhadores palestinos entrevistados, pediu que seu nome não fosse publicado.
Iasser Arafat não pode fazer muito para impedir que milhares de palestinos contribuam para o esforço de colonização israelense.
Há dois meses, a Autoridade Palestina aprovou um decreto que proíbe aos palestinos trabalhar nas colônias, mas a medida foi essencialmente um gesto simbólico.
O governo Arafat, que afirma perder de US$ 4 milhões a US$ 6 milhões por dia quando Israel bloqueia o acesso ao seu território para os moradores da Cisjordânia e da faixa de Gaza, não tem condições de absorver a força de trabalho empregada pelos colonos.
"Não nos resta outra saída que fechar os olhos", declarou Ghazi Khalili, diretor do Ministério de Assuntos Trabalhistas palestino.
"A sociedade palestina começou a perceber o enorme dilema moral envolvido em trabalhar para a expansão das colônias israelenses. Idealmente, seria preciso evitar esse tipo de trabalho, que é considerado antipatriótico, mas, para esses operários, não há alternativas", disse Khalil Chikaki, diretor do prestigioso Centro de Estudos Palestinos de Nablus.
Várias propostas prévias para proibir a participação palestina em qualquer projeto israelense que envolva a consolidação e expansão das colônias judaicas tropeçaram, invariavelmente, na falta de alternativas econômicas para esses trabalhadores, que começam a sentir a pressão dos setores radicais.
Alternativas
"Esperar que estes trabalhadores renunciem ao salário é uma utopia. A verdade é que não há opções, e, lamentavelmente, Iasser Arafat não pode empreender uma campanha de sabotagem das colônias, que teria vasto impacto psicológico e político", opina, por sua vez, um acadêmico da Universidade de Bir Zeit, na Cisjordânia.
"No passado, trabalhar para os colonos judeus era considerado um ato de traição. Hoje não é mais do que uma expressão da triste realidade econômica e política dos palestinos", comenta Chikaki.

Tradução de Paulo Migliacci

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