São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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SER FELIZ COM MEDO

O balanço feito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso de seus dois anos de governo revela as conquistas que a estabilização de preços possibilitou. Essa primeira metade do mandato poderia, aliás, entre avanços e recuos, ser resumida como a mais eficiente defesa da estabilidade de preços de que se tem notícia na história recente do país.
O mérito dessa conquista é ainda maior porque, ao longo desse período, o país não sofreu com processos recessivos da magnitude dos vividos por outras economias latino-americanas, como a argentina e a mexicana. Houve ajuste e retração, mas não uma recessão extremamente penosa.
É inegável que a estabilização trouxe efeitos sociais benéficos. Milhões de novos consumidores têm hoje acesso a mercados que, ganhando novas escalas, atraem investidores nacionais e estrangeiros. Espera-se que tal ciclo leve a mais crescimento econômico, poupança, investimento e consumo. Mas seria injusto reduzir o trabalho desses dois anos apenas aos resultados econômicos e sociais da estabilidade de preços, ainda que essa conquista seja em si mesma de um valor inestimável.
O governo FHC patrocinou iniciativas no campo dos direitos humanos, do estímulo às micro e pequenas empresas e da reforma educacional que, mesmo estando numa fase inicial, poderão desdobrar-se nos próximos anos em fatores de ampliação da cidadania num sentido mais amplo que o mero acesso ao consumo.
Ao mesmo tempo, seria ingenuidade atribuir tudo isso a um homem ou a meio mandato. É importante lembrar que a democratização brasileira iniciou-se de fato há uma década.
Os acertos de hoje são, antes de mais nada, frutos dos erros do passado recente (quando ocorreu um processo de tentativa e erro), de gradual formação de consensos, de negociação coletiva de problemas e crises no Legislativo, no Judiciário, no Executivo e nas organizações da sociedade civil. Ao mesmo tempo, ainda pesa muito sobre o horizonte a dificuldade, talvez maior que a esperada, de reformar o próprio Estado.
As reformas administrativa, da Previdência, do sistema tributário e sobretudo a reforma política continuam praticamente na estaca zero. Embora não seja "culpado" por essas dificuldades, o Executivo deveria ter mais sensibilidade para a gravidade desse malogro fundamental. Paradoxalmente, há na sociedade brasileira hoje uma combinação de satisfação e frustração.
Parodiando a célebre expressão do PT, "sem medo de ser feliz", pode-se dizer que hoje o país é mais feliz, mas ainda há razões para temer pela duração dessa felicidade.

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