São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Em defesa da Vale do Rio Doce

ERNANDO UCHOA LIMA

O presidente Fernando Henrique Cardoso mostrou sensibilidade política ao recuar da decisão de privatizar a toque de caixa a Companhia Vale do Rio Doce. O chefe da nação, que erigiu o enxugamento da estrutura do Estado à base de privatizações das empresas públicas como o ponto central de seu programa de governo, admitiu que há casos especiais -e que a Vale do Rio Doce é um desses. E é mesmo.
A campanha patriótica que se articulou contra a venda daquela estatal, da qual a OAB sente-se honrada em participar, nada tem nem poderia ter de político ou partidário. É, antes de mais nada, uma causa da nacionalidade. A Companhia Vale do Rio Doce detém o know-how de um dos maiores patrimônios mineralógicos do planeta, qual seja, o subsolo brasileiro.
Além das jazidas em exploração, há numerosas outras que nem sequer foram pesquisadas. O preço de venda inicialmente estimado, de R$ 10 bilhões, não paga, segundo lembrou o presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, nem o patrimônio imobiliário da estatal. Quanto às riquezas do subsolo, as numerosas jazidas inexploradas, essas não têm preço.
Diante da contundência dos protestos, que partiram de vozes autorizadas da sociedade civil -as mesmas com as quais o presidente se perfilou na memorável luta contra a ditadura-, o governo retrocedeu.
Segundo os jornais, o presidente Fernando Henrique comprometeu-se a submeter ao Senado o edital de privatização da Vale.
Mais: retirou do processo de venda da companhia as jazidas de minério que não estiverem exploradas ou pesquisadas. Também foi abandonada a decisão de alienar a empresa sem uma cláusula de segurança, que permita a defesa dos interesses nacionais mesmo depois que estiver sob o comando da iniciativa privada. Já é uma demonstração de reconhecimento das peculiaridades desse assunto, embora indique a persistência no propósito de privatizá-la.
A alegação de técnicos da área econômica de que o governo não estaria vendendo a empresa, mas apenas a parcela das ações que possui, é frágil e inconsistente. Tais títulos garantem-lhe posição majoritária em relação à Vale e suas subsidiárias. Logo, quem adquirir o lote de ações que o governo detém assumirá o comando daquela estatal e, por conseguinte, da política mineral brasileira. É por essa razão que o Estado não deve se retirar sumariamente desse setor, vital ao desenvolvimento nacional.
A Vale é uma estatal de rara eficiência, que dá lucro e prosperidade ao país, além de cumprir papel estratégico insubstituível, na medida em que lida com as riquezas do subsolo. Os técnicos da área econômica reconhecem e proclamam sua eficácia.
Não se insere, pois, no rol daquelas submetidas a leilão por motivos de déficit operacional crônico. É patrimônio do povo brasileiro e não pode ser vendida para cobrir rombos de caixa ou para saldar débitos da dívida interna. Seria uma irresponsabilidade cívica, que custaria caro ao governo.
Não é casual que estejam unidos contra a venda da Vale os mais diversos e respeitáveis setores da sociedade civil organizada -OAB, ABI, CNBB-, militares da reserva, sindicalistas, estudantes, artistas e intelectuais de renome.
Remetido ao Senado, o tema passa a ser discutido em âmbito menos restrito e ganha maior transparência. É preciso que a sociedade se manifeste sobre ele, avalie com maior profundidade as diversas implicações inerentes ao tema. Enquanto isso, o movimento cívico não se desarticulará, acompanhando o processo até seu desfecho, na defesa dos interesses do país.

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