São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 1996 |
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Jesus perde para Mickey
JOSIAS DE SOUZA São Paulo - Era véspera de Natal. Minto. Era antevéspera de Natal. Um dia como hoje. Tinha cinco para seis anos. Fez-se na firma de meu pai uma confraternização de final de ano. Houve sorteio de brinquedos para os filhos dos operários.Tenho a cena diante de mim: eu ali, franzino, afogado em um mar de crianças. Na ponta dos pés, enxergava a pilha de brinquedos por cima das cabeças. Coube-me um lote de apetrechos para soldado: capacete, revólver e fuzil de plástico. Foi o meu primeiro presente. O segundo só viria na adolescência. No Natal de minha infância, o presente era uma ocasionalidade. Meu pai dizia que o importante era dar presentes a Cristo. Não sei se agia assim por ser batista fervoroso ou por não ter dinheiro para ir às compras. Talvez pelos dois motivos. O fato é que houve tempo em que o Natal era mais espiritual. Nos últimos anos, o Natal não é senão comércio. Mesmo a decoração molda-se aos novos tempos. Um shopping de São Paulo erigiu um vistoso castelo de Cinderela. No teto, pendurou uma enorme cabeça de Mickey. Trocou-se o presépio pelo castelo. E o menino Jesus pelo camundongo de Disney. O máximo. O Natal de hoje exclui o personagem que deveria dar sentido à data. Gradativamente, expulsa-se Cristo do próprio aniversário. A cara do Natal é a do formigueiro de consumidores no shopping. É uma das imagens mais exibidas na TV. Falo com a tranquilidade de alguém que se considera 99% ateu. Aliás, não fosse pela quantidade de presentes que tenho de comprar, trataria de outro tema. Mas os religiosos deveriam estar em estado de alerta. A chamada sociedade de consumo está, por assim dizer, reassassinando Jesus. E não se está deixando margem para novas ressurreições. A meninada dá de ombros para Cristo. Quer saber do ferrorama, do cartucho de videogame... Texto Anterior: REPASSANDO A INEFICIÊNCIA Próximo Texto: 25 metros de lenda Índice |
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