São Paulo, terça-feira, 24 de dezembro de 1996
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Os novos financiamentos da Caixa...

HUMBERTO ROCHA

Nos últimos tempos, a CEF (Caixa Econômica Federal) tem anunciado alguns planos de financiamento habitacional para as pessoas que planejam realizar o sonho da casa própria. Contudo, a burocracia de Brasília acaba reduzindo o novo plano da classe média a mera intenção. E de boas intenções, o inferno anda cheio.
A grave situação enfrentada pelos brasileiros que buscam comprar a casa própria parece estar se complicando ainda mais, já que o novo programa da CEF, na verdade, esconde uma intenção arbitrária de extinção do SFH (Sistema Financeiro da Habitação), com o repasse de créditos para o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), objeto de invenção dos grupos operantes do setor imobiliário.
Grupo este que trata a questão da casa própria como um negócio lucrativo e, como avalista dessa visão financeira e selvagem, está uma instituição brasileira que goza de boa imagem e prestígio: a CEF.
As pessoas acabam acreditando nisso tudo, com ajuda da propaganda enganosa, pois já se introduziu toda uma cultura na sociedade brasileira de que a CEF é um banco social. O que há muito deixou de existir.
A Caixa é um banco com qualquer outro e não hesita em retomar as casas de compradores em atraso com as prestações. Para isso, vale-se de atos anacrônicos e autoritários, como o famigerado decreto lei 70/66, que retoma o imóvel das pessoas em leilões sumários, sem que o processo de execução passe pela apreciação do Poder Judiciário.
Na ótica dos mutuários, a medida provisória 1.520 não expressa nenhum tipo de vantagem aos devedores do sistema, ao contrário dos noticiários veiculados, que recomendam os financiamentos.
Isso revela ausência de conhecimento da mídia nacional da real situação vivida pelos mutuários, que, na ânsia de realizar o sonho da casa própria, mergulharam um pesadelo e enfrentam o escravismo do SFH, face o descasamento das correções praticadas nas dívidas e nas prestações e o reajuste dos salários.
A proposta da CEF de novos financiamentos, na verdade, atende a um velho sonho dos grupos que operam no SFH e pretende utilizar os recursos captados da poupança a juros de 0,5%, repassando em novos empréstimos da chamada faixa livre, com juros de 12% ao ano e mais a correção pela taxa referencial (TR).
Impõe-se aos compradores um ônus excessivo, que contradiz com os princípios do Plano Real, que objetiva a estabilização da economia e o controle inflacionário.
O novo programa da CEF aplica aos novos adquirentes da casa própria uma inflação que não existe mais desde a entrada do Real.
E a consequência desse repasse é a inadimplência generalizada. A definição contratual baseia-se em princípios matemáticos, na lógica, e fica fácil verificar, com base nos indexadores de outubro/96, que o novo plano pretende implementar uma correção de 560% sobre as dívidas e prestações em 15 anos, quando a estimativa inflacionária para o transcurso de um ano talvez seja inferior a 10%.
Os condicionamentos para a obtenção do empréstimo são pontos negativos na tentativa de se alcançar o setor imobiliário, uma vez que o promitente comprador terá que possuir poupança de 40% do valor financiado, como correntista da CEF. Além da comprovação de renda, que não pode ser inferior a 12 salários mínimos.
Certamente, a retomada de novos empréstimos para financiamento da casa própria é necessária e urgente, já que há mais de dez anos a CEF não efetua empréstimos neste setor.
Contudo os números mostram que o montante de recursos destinados à habitação não está sendo utilizado, em contraste com a realidade habitacional, que soma um déficit de 12 milhões de novas moradias em todo país. Somente 4% dos recursos destinados aos programas da CEF foram emprestados. Os consumidores estão atentos e avaliando os anúncios realizados.
A necessidade de moradia da população está relegada a um segundo plano, distante dos interesses sociais e da implementação de programas idôneos, descompromissados com os "lobbies" dos donos do mercado imobiliário e financeiro, representados na pessoa do sr. presidente da CEF. Daí, é perfeitamente possível justificar o crescimento de favelas, palafitas, cortiços e outros. Os governantes fazem da habitação um grande marketing publicitário para manipular a opinião pública e somar votos.

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