São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 1996
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Garimpo invade reserva e levanta cidade

RUBENS VALENTE

FREE-LANCE PARA A AGÊNCIA FOLHA, NA RESERVA SARARÉ (MT)

8.000 garimpeiros, ao lado de 150 madeireiros, montam casas, lojas e bordéis em área nhambiquara no MT

Em apenas três meses, cerca de 8.000 garimpeiros e 150 madeireiros invadiram a reserva Sararé (540 km a oeste de Cuiabá) e ergueram uma cidade dentro da área dos índios nhambiquaras.
A cidade -a apenas 15 km da aldeia indígena- tem cem pontos comerciais, incluindo bordéis, mercearias e oficinas mecânicas, e é habitada por cerca de 6.000, dos mais de 8.000 invasores.
As casas, a grande maioria de madeira e lona, concentram-se à beira do garimpo Ferrugem 4, que já é o maior do Mato Grosso. A cidade também ficou conhecida como Ferrugem 4.
"Os índios estão acuados em sua própria terra", afirma o administrador regional da Funai em Cuiabá, Ademir Gudrin.
Ao sul da aldeia, mil dragas dos garimpeiros fazem um barulho estrondoso, segundo os índios, desde o amanhecer.
Dados da própria Cooperativa dos Produtores de Ouro de Pontes e Lacerda (Coopropol) revelam que as escavações do garimpo já atingem cerca de 12 km em linha reta, com crateras de até 20 metros de profundidade.
Ao norte e a oeste da aldeia, 150 madeireiros abrem estradas e devastam matas atrás de madeiras nobres como mogno e cerejeira.
Além da destruição ambiental, os efeitos da proximidade da cidade com a aldeia indígena preocupam os técnicos da Funai.
"A chegada de bebidas alcoólicas e outros vícios dos brancos à aldeia é mera questão de tempo", diz Elias Penno, 23, ex-chefe do posto da Funai em Sararé.
Os brancos também levaram suas doenças à reserva. Epidemias de malária deixaram nove índios mortos desde 86. A última chegou a atingir 25% da população da aldeia e foi controlada há um mês.
O garimpeiro José Gomes do Nascimento, 37, que movimenta uma das três farmácias da cidade, conta que, todos os dias, pelo menos duas pessoas adoecem com problemas intestinais, atribuídos à qualidade da água.
A vida noturna de Ferrugem 4 atrai garimpeiros de vários pontos da reserva, movimentando os seis bordéis, com cerca de 80 prostitutas, bares e casas de bingo.
Na cidade de Pontes e Lacerda, a mais próxima da reserva, o garimpo fez renascer o comércio, em franca decadência, mas agora é motivo de preocupação.
"Se fecharem os garimpos, vai ser o caos econômico", diz o presidente da Associação Comercial, Abel de Freitas Arantes, 46.
Conflitos
Desde janeiro, dez conflitos ocorreram entre índios e madeireiros, diz Penno. Neste ano, os índios incendiaram oito veículos usados no transporte de madeira.
Há dois meses, os índios amarraram dez invasores e despejaram gasolina sobre eles, ameaçando queimá-los vivos. Foram impedidos por funcionários da Funai.
Em 16 de novembro, os madeireiros atacaram a aldeia, ferindo 14 índios a coronhadas de revólver e espingarda. Por causa dos golpes, 11 índios perderam dentes e o líder da tribo, Américo Katithaurlu, 60, terá de submeter-se a uma operação para recompor o lábio inferior, atingido por uma coronhada.
Os madeireiros fugiram levando seis motos, duas camionetes e 20 armas, parte dada pelos invasores num processo de cooptação e parte tomada por índios e funcionários da Funai em incursões na área.
O ministro Nelson Jobim (Justiça) recebeu relatório da invasão no dia 21 de novembro, mas, somente no dia 13 de dezembro, anunciou a liberação de verba para a operação de retirada dos invasores.
O juiz da 1ª Vara Federal em Mato Grosso, Alexandre Laranjeira, expediu despacho no último dia 27 responsabilizando o governo federal por uma "escandalosa omissão" na preservação do território.
O líder indígena Américo Katithaurlu lamenta a devastação da reserva. "(No) Mato não tem mais nada, não tem bicho. Muita matança de peixe", diz.
Os nhambiquaras ficam acuados na própria aldeia, impedidos de caminhar em matas agora ocupadas por garimpeiros e madeireiros, para evitar risco de confronto.

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