São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 1996
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Beltrão vê problema para democracia

DA REPORTAGEM LOCAL

Os governos democráticos aumentaram a burocracia no Brasil e complicaram a vida da classe média e dos brasileiros de menor poder aquisitivo. Quem diz isso é Helio Beltrão, ministro da Desburocratização do governo Figueiredo entre 1979 e 1983.
Segundo Beltrão, a abertura política deve descer ao cotidiano do cidadão, do homem comum. "O pequeno está preocupado com a fila, com o guarda que tira dinheiro dele, com o dia de salário que ele perde para provar que não é desonesto. Isso para ele é opressão."
Beltrão credita o aumento da burocracia a uma "obsessão mórbida, burra e preguiçosa" que parcela do poder público sempre teve pelo combate à fraude.
Aos 80 anos, Beltrão procura se manter distante dos assuntos relacionados à administração pública.
Atualmente, exerce a presidência do conselho de administração da Getec- Guanabara Química Industrial e é integrante dos conselhos do grupo Ultra, da Copene e da Oxiteno. Mora em Ipanema e trabalha na sede da Getec, no centro do Rio, de onde falou à Folha.
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Folha - A maioria das exigências extintas em sua gestão como ministro da Desburocratização voltou após 1984. O que ocorreu?
Hélio Beltrão - A burocracia foi sacudida pelas reformas da década de 80, mas não acabou. Desburocratização é um processo. Não se faz de uma só vez. Os outros governos deveriam tê-lo completado.
Folha - Os administradores que criam e exigem documentos não admitem que criam burocracias. Dizem que estão evitando fraudes.
Beltrão - Trata-se de um erro monstruoso. A administração presume que todo servidor está mentindo. E que todo cidadão está querendo ludibriar o governo. Mas nós sabemos, por experiência (eu medi isso mil vezes), que a porcentagem de desonestos é raramente superior a 3%.
Folha - Como o sr. chegou a essa porcentagem?
Beltrão - Medindo os furtos em supermercados, cheques sem fundos, fraudes na Previdência. Causam estardalhaço nos jornais, mas não passam disso: 3%. Tudo o que sai da cabeça do administrador é feito para evitar que esses 3% não burlem a administração. Então, os outros 97% têm de provar com documentação que não são os 3%.
Folha - Mas os 3% às vezes causam rombos de R$ 1 bilhão, como é as fraudes contra a Previdência descobertas no começo da década.
Beltrão - Sim, só que nenhum documento poderia ter evitado aquela fraude. A fraude não se impede, pune-se. O documento mais perfeito que existe é o falso. Porque o falsário é especialista. Exigir papéis para evitar fraudes é como ter um guarda ao lado de cada cidadão para impedir que ele roube.
Folha - A desburocratização pressupõe a descentralização e, consequentemente, o enfraquecimento do poder central. Foi difícil descentralizar no governo militar?
Beltrão - Sim. Só consegui avançar a reforma devido a meu prestígio pessoal. Isso é um trabalho de apostolado, prestígio pessoal, credibilidade. O presidente só assinava decretos que eu sugeria porque era eu quem propunha. Ele sabia que eu não tinha nenhum interesse em enfraquecê-lo.

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