São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 1996
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Dívida externa _é ou não um problema?

ODILON GUEDES

Em matérias recentes sobre a dívida externa, veiculadas nesta Folha, foi apresentada uma série de dados sobre o pagamento dos juros e do principal da dívida. Levando em consideração esses números, chegamos à seguinte conclusão: de 1993 a 1997, o Brasil estará pagando US$ 62,3 bilhões de amortização do principal e US$ 54,0 bilhões de juros, perfazendo um total de US$ 116,3 bilhões.
Infelizmente, poucas pessoas se dão conta da magnitude desses números e daquilo que isso significa para nosso país.
É importante fazermos algumas comparações. Com US$ 116,3 bilhões, dá para construir cerca de 1.160 km de metrô (a cidade de São Paulo possui 43 km) ou 290 mil creches (abrigando 32 milhões de crianças) ou duplicar 145 vezes a BR-116 entre São Paulo e Florianópolis. É isso mesmo! São dados estarrecedores.
O Brasil pode obter dólares para o pagamento dessa dívida, basicamente, por meio de superávits na balança comercial, entrada de capitais de risco, entrada de capitais de empréstimo ou capitais especulativos.
Os superávits na balança comercial, que foram a principal forma utilizada na década de 80, causando fortíssima recessão naqueles anos, estão afastados. A âncora cambial, sustentáculo do Plano Real, ao contrário, está levando a déficits crescentes em nossa balança comercial.
Entrada de capital de risco tem ocorrido em nossa economia, mas essa forma de captação de recursos não é suficiente em relação ao montante necessário para o pagamento anual do serviço da dívida.
Outra forma engenhosa para garantir divisas encontrada pelo governo federal é incentivar Estados e municípios a pagarem suas dívidas internas com empréstimos externos, segundo a resolução 2.280/96 do Conselho Monetário Nacional.
Nesse sentido, os compromissos da dívida externa estão sendo saldados preponderantemente por meio de empréstimos e de capitais especulativos.
Na prática, o que está ocorrendo é um endividamento cada vez maior para pagar a própria dívida. Isso tudo vai aumentando nossa vulnerabilidade em relação aos países credores.
Qualquer movimento mais brusco que ocorrer em relação aos capitais especulativos, como aconteceu no México em dezembro de 1994, levará nossa economia a nova recessão, igual à dos anos 80, com todas as suas mazelas.
É importante destacar que um país como o nosso, que enfrenta problemas gravíssimos nas áreas sociais e de infra-estrutura, não pode continuar passivamente convivendo com um problema dessa dimensão, nem arriscar-se a um novo ciclo de endividamento.
Nesse quadro, é ilustrativa a afirmação que o linguista norte-americano Noam Chomsky fez dia 27/11 em Brasília: "Vocês já pagaram a dívida mil vezes. Acho que ninguém deveria pagar essa dívida".
Portanto, é necessário recolocar o debate sobre a dívida externa, pois qualquer mudança no cenário internacional revelará a fragilidade da situação econômica brasileira.

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