São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 1996
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Não se iluda

GILBERTO DIMENSTEIN

Diretor de escola pública nos EUA ganha R$ 6.000 mensais, o dobro do salário do professor. Eles cuidam de alunos que custam US$ 500 por mês, estudam período integral e, em sua maioria, aprendem a manejar computadores aos seis anos.
Apesar desses números, impensáveis no Brasil, os estudantes americanos levaram este ano uma surra. Numa comparação entre 41 países, foram batidos vergonhosamente por estudantes em países bem mais pobres. Em matemática, ficaram em vigésimo oitavo lugar.
O resultado: aumentam a irritação e o desconforto dos americanos, preocupados com a formação de seus trabalhadores numa era de economia sem fronteiras.
Eles estão mais furiosos com seu nível educacional do que os brasileiros. Nossa falta de indignação revela como estamos iludidos.
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Neste final de ano, pesquisas dizem que o brasileiro está satisfeito. Justificável: a combinação de inflação, crescimento econômico e estabilidade política melhorou mesmo o Brasil. Mas é pouco.
Só estamos satisfeitos porque nossos referenciais de comparação são baixos. Olhamos o país e nos lembramos de preços que aumentavam até 70% ao mês; de planos fracassados a cada 12 meses; de CPIs; de governantes provincianos (Itamar Franco), despreparados (José Sarney), delinquentes (Fernando Collor) ou desequilibrados (João Figueiredo).
Estamos na condição do paciente que sai da UTI aliviado porque não morreu, mas ainda não sabe se vai conseguir andar -com esses indicadores sociais, lamento informar, mas não anda, talvez rasteje.
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Os sinais de vida da sociedade brasileira continuam comprometidos. Apesar de alguns avanços, o ritmo e empenho necessários para curar nossos males são muito inferiores ao desejável. Aqui em Nova York, um policial começa ganhando R$ 2.500 mensais. Se chegar a delegado, seu salário sobe para R$ 9.000. Por essa, entre outras razões, o crime cai e os cidadãos se sentem menos inseguros.
Um assistente social ganha R$ 4.000 mensais; enfermeira de hospital público, R$ 4.200, mais do que um professor universitário brasileiro.
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É caso de CPI o fato de que aumentam em nosso país as mortes provocadas pelo colapso dos hospitais. Um médico plantonista, que ralou anos e anos na faculdade, ganha menos aí do que ganha uma enfermeira aqui; e, óbvio, uma vítima no Brasil tem menos condições de atazanar a vida de médicos e enfermeiras relapsas. Até porque o Judiciário é lento, desorganizado, antiquado.
Só não apanham mais porque a imprensa não investiga o desempenho de juízes como cobre políticos ou técnicos de futebol. Não dá para chamar de civilizado nem ficar satisfeito com um país que paga salário de fome a professores, médicos e policiais. Em síntese, não temos educação, segurança nem saúde.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com

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