São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 1996
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O déficit é do Executivo

ANTONIO DELFIM NETTO

O ilustre ministro Mailson da Nóbrega, com imensa experiência nas questões de administração federal, tem chamado a atenção para alguns aspectos altamente relevantes no que se refere às consequências da chamada "política franciscana" -"É dando que se recebe". Como bem observa, o máximo que ela pode produzir é a substituição de uma despesa por outra. Isso, entretanto, não aumenta o valor global do dispêndio.
A seção "Dos Orçamentos" da Constituição de 1988, que contém os artigos de números 165 a 169, é extremamente minuciosa e ambiciosa.
Ela estabeleceu que leis de iniciativa do Executivo fixarão três tipos de restrições aos gastos públicos: 1) o plano plurianual, que deverá estabelecer de forma regionalizada as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública pelo prazo de um governo; 2) a lei de diretrizes orçamentárias, que compreenderá as metas e prioridades para o exercício financeiro subsequente e que deverá obedecer ao plano plurianual; e, finalmente, 3) o orçamento anual, que compreenderá o orçamento fiscal, o orçamento das empresas públicas e o orçamento da seguridade social.
A visão telescópica fornecida pelo "plano plurianual" dá o balizamento de toda a despesa pública pelo período de uma administração e estabelece as formas de seu financiamento.
O artigo 166, no seu parágrafo 3º, elimina toda possibilidade de que o Congresso possa produzir déficits, quando afirma que as emendas ao projeto de lei do orçamento anual, ou projetos que o modifiquem, somente poderão ser aprovados se: 1) forem compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentária e 2) indicarem os recursos necessários por meio da anulação de outras despesas, que não podem ser nem as de pessoal, nem as de juros, nem as transferências constitucionais.
Há ainda uma outra circunstância que impede o Congresso de construir déficits: no Brasil, todo o orçamento é autorizativo (isto é, o Executivo pode ou não executá-lo) e não imperativo (o Executivo seria obrigado a executá-lo).
Assim o Poder Executivo pode pura e simplesmente ignorar eventuais despesas sugeridas pelo Congresso, como, aliás, tem feito com frequência.
Não existe, portanto, nenhuma possibilidade de o Legislativo produzir déficits orçamentários. Se a política franciscana funciona, ela pode, no máximo: 1) alterar a ordem de prioridade dos programas já incluídos no orçamento ou 2) substituir um projeto por outro por iniciativa do Executivo.
Em nenhum dos dois casos o montante global do dispêndio se altera.
Nem mesmo é verdade que a qualidade do dispêndio deva, necessariamente, piorar. O que o Congresso pode é alterar de maneira inconveniente certas verbas, como se vê agora. Mas há sempre alguma probabilidade de que o dispêndio sugerido pelo deputado ou senador seja igual à qualidade dos escolhidos pelos burocratas, ou melhor do que ela, como se viu no escândalo da distribuição das verbas do orçamento de 1996 pelo Ministério do Planejamento.

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