São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

96 foi mutante

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As reformas desejadas pelo Poder Executivo, na Constituição e nas leis, avançaram durante 1996, mas não foram inteiramente satisfatórias para o governo federal. Tributos, previdência social e administração pública eram grandes temas, no começo do ano. Falava-se na reformulação da partilha das rendas fiscais entre Estados, municípios e a União, na sobrevivência econômico-financeira dos órgãos previdenciários e na revisão das carreiras públicas, com maior produtividade e menos servidores. No segundo semestre a tônica do interesse político foi dominada pela reeleição.
Foram muitas as críticas contra o número de novos dispositivos legais incorporados diariamente ao ordenamento jurídico. A regulamentação do planejamento familiar passou quase despercebida, quando saiu em 12 de janeiro, mas foi uma das quase 200 leis federais novas de 1996, das mais de 300 medidas provisórias.
Em cada município, em cada Estado, a fúria legiferante continuou, com um único paradoxo mutante. Foi a lei nº 9.278, de maio, que, ao sair publicada, detonou pedidos de sua mudança imediata, ante os graves defeitos no tratamento dado à relação concubinária. Felizmente, o ano termina com o encaminhamento, ao Congresso Nacional, do projeto oferecido para alterá-la. Não é a derrubada da lei, mas um passo importante nesse sentido.
Já o financiamento eleitoral, a cujo respeito se criou grande escândalo desde o governo Collor, continuou na mesma hipocrisia de sempre, com os números contábeis distorcendo a verdade substancial. O médico Adib Jatene saiu do Ministério, deixando incertezas sobre a contribuição especial para a saúde que ele defendeu. Se for confirmada, a exclusiva finalidade da aplicação dos recursos vai dar muito pano para manga.
A insistência dos governantes em receber os tributos e contribuições devidos a seus órgãos de governo, ao mesmo tempo em que caloteavam os credores, provocou o maior escândalo deste fim de ano. Foram autorizações expedidas pelo Senado, para levantamento de fundos destinados ao pagamento de precatórios judiciais, em finalidade que não foi respeitada. O Senado instalou uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os fatos, a qual, na última semana de 96, parecia destinada a gerar boa produção de "pizza".
No rol das ilegalidades praticadas por profissionais liberais, quem apareceu muito na mídia foram os médicos, nas clínicas de idosos, de hemodiálise e de cirurgia plástica, além das creches de bebês malcuidados. A ética médica e a jornalística estiveram em foco. No caso da modelo Cláudia Liz, o direito da intimidade, da imagem e da honra dos médicos teve o outro lado da moeda: repetiu o episódio da Escola Base, antes que se verificasse a falsidade das primeiras versões.
O ano apresentou dois fatores de desapontamento para os exploradores de escândalos e de catástrofes: o grande Jumbo da TWA não caiu por obra de um terrorista, mas de defeito mecânico. A morte de Paulo Cesar Farias foi mero crime passional. O ano marcou, ainda, a maior ameaça sobre os direitos individuais com a lei nº 9.296, que instituiu a interceptação telefônica legal, o chamado "grampo".
1996 termina com preocupações voltadas para o Mercosul e para a possibilidade de uma justiça supranacional, habilitada a resolver as controvérsias entre os países, as empresas e os cidadãos participantes de operações econômicas nesse mercado. Talvez seja esse o grande tema dos debates legislativos para 1997. Esperemos a confirmação.

Texto Anterior: Juízo Arbitral - O mendigo furtado
Próximo Texto: Subida da serra tem congestionamento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.