São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 1996
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Juízo Arbitral - O mendigo furtado

ALDO TEMPERANI PEREIRA

Neste final de ano, a população brasileira ganhou triste presente de sua classe política. Vinha esse povo sofrido desfrutando amplamente de diploma legal dos mais modernos, comparável aos congêneres europeus: o Código de Defesa do Consumidor.
Vem agora a lei 9.307/96, de retrógrada inspiração, defendendo interesses de elites insensíveis, afrontar aquele regramento no seu âmago, pretendendo permitir a instituição de juízo arbitral em contratos de adesão.
Na prática significa dizer, por exemplo, que o cidadão, ao procurar um banco e pedir empréstimo, fatalmente assinará contrato elegendo pessoa da confiança do próprio banqueiro para dirimir qualquer conflito proveniente daquela operação. A taxa de juros poderá ser calculada do modo mais absurdo possível, e, ainda assim, permanecerá o mutuário sem direito sequer de recorrer ao Judiciário, completamente à mercê de indecente vampirismo argentário.
Assim também ocorrerá na imobiliária, para se alugarem apartamentos, na revenda de automóveis etc. A vida do cidadão tornar-se-á, com certeza, muito mais sofrida e difícil do que já é, assombrada pelo sentimento de fragilidade diante de malévola estrutura.
Além de esbofetearem a cidadania brasileira, os agentes do atraso, autores dessa rapinagem, afrontaram também o Poder Judiciário nacional, pretendendo, ao arrepio da Constituição, subtrair do conhecimento judicial lesões a direitos e quebrar o monopólio estatal da jurisdição (artigos 92 e 5,35 da CF), entre outras barbaridades cometidas dolosa e despudoradamente.
São grupos que empolgaram o poder e se julgam acima da Justiça. Na ânsia demente do ganho fácil, desconhecem, contudo, a realidade social e a coesão de um país que, apesar de tudo, espantosamente, renasce a cada dia mais forte e original, numa comovente homenagem ao processo dialético.
Sem embargo disso, os brasileiros estão inquestionavelmente de luto, porque foram traídos de modo vil, especialmente por aqueles que se proclamam vanguarda política e permaneceram mudos diante daquela aberração parida nas entranhas do Congresso Nacional, quietos como quem furta na escuridão.

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