São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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FUMAR BEBER COMER

PHILIP COHEN
DA "NEW SCIENTIST"

Os fregueses de bares cheios de fumaça sabem que o álcool e o cigarro são companheiros naturais. Mas pode haver uma ligação entre o álcool e a nicotina no cérebro, além de haver no bar.
Cientistas descobriram que ambos os produtos químicos afetam a mesma proteína no cérebro, o que talvez explique por que os alcoólatras são frequentemente fumantes compulsivos.
Evidências da forte influência do álcool sobre a mente não são difíceis de encontrar. "É um produto químico muito simples e tem muitos efeitos sobre o cérebro", disse Toshio Narahashi, neurocientista da Escola de Medicina da Universidade Northwestern, em Chicago, Illinois (EUA).
Em concentrações que causam embriaguez nos seres humanos, o álcool interfere com as atividades normais de muitos dos receptores neuronais do cérebro.
Esses "nódulos" de proteína, localizados na superfície das células cerebrais, aderem a produtos químicos neurotransmissores, liberados pelas células vizinhas, e deflagram impulsos nervosos.
Mas de que forma essa interferência contribui para os efeitos viciantes e psicológicos do álcool ainda não foi explicado.
Narahashi estava especialmente ansioso por saber por que é até sete vezes mais provável que alcoólatras sejam fumantes compulsivos do que as pessoas que bebem socialmente. Talvez o álcool aja sobre o mesmo receptor que a nicotina, um receptor chamado acetilcolínico. "Se o álcool torna o receptor menos sensível, então será preciso obter mais nicotina para conseguir o resultado desejado."
Para testar sua teoria, o grupo de Narahashi removeu células nervosas dos cérebros de ratos, as quais têm receptores acetilcolínicos em suas superfícies, e banhaou as células em soluções contendo quantidades variadas de álcool, testando, em seguida, as propriedades elétricas das células.
Os receptores são surpreendentemente sensíveis ao álcool, constataram os pesquisadores. Começavam a ficar prejudicados quando as concentrações de álcool atingiam limites mil vezes inferiores ao admissível para os motoristas dos Estados Unidos.
A 10% do limite de álcool para motoristas, as células geravam apenas metade de sua corrente normal, de acordo com o relatório dos pesquisadores na última "Neuroscience Letters" (volume 217, página 1).
"É impressionante", diz Adron Harris, neurofarmacologista da Escola de Medicina da Universidade do Colorado, em Denver.
"Esses receptores são muito mais sensíveis ao álcool do que qualquer outro que eu conheça". Mas ele questiona a importância fisiológica provável desses receptores supersensíveis ao álcool.
"São doses em que mesmo os mais sutis efeitos sobre o comportamento estão apenas começando, doses muito baixas", disse.
Narahashi afirma que a ligação entre a bebida e o fumo pode ser forjada muito antes que a embriaguez evidente se instale. "Você bebe um pouco de álcool e se sente melhor. É esse sentimento que pode causar o efeito nicotina."
Narahashi planeja agora testar se o álcool tem efeitos diferentes sobre os receptores acetilcolínicos em doses mais altas.

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