São Paulo, quinta-feira, 1 de fevereiro de 1996
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Troca-troca, ou olho por olho

MOACYR SCLIAR
Tudo começou quando a polícia passou a trocar familiares dos sequestradores por sequestrados.
No início tudo funcionou razoavelmente bem. Os bandidos, forçados a provar de seu próprio e amargo remédio, tiveram de aprender a negociar de uma posição desvantajosa. Não apenas isso: mudaram os termos da própria negociação. Agora já não se tratava de discutir uma quantia, em dólares ou reais. Agora era preciso avaliar, matematicamente até, o valor das relações emocionais. Um esposo sequestrado vale quantas irmãs do sequestrador? Quantas tias?
Esse problema poderia inviabilizar para sempre o sequestro como negócio. Mas foram os próprios sequestradores que decidiram continuar com as operações.
- É uma questão de honra -declarou um deles, acrescentando:
- Além disto, a gente não sabe fazer outra coisa. Todo o nosso treino foi em sequestros.
Isso decidido, eles estabeleceram uma complicada tabela. Um primo, desde que jovem e cursando universidade, poderia equivaler a um tio -que não fosse muito rico, claro. Já uma avó muito velha podia ser trocada por uma tia solteirona. Havia um sistema de pontuação, levando em conta laços de parentesco, dinheiro disponível, idade e até peso.
Tudo isto, claro, era muito complicado, e as vítimas de sequestro não tardaram a reclamar. Mas os sequestradores mostraram-se irredutíveis; concordaram apenas em elaborar um "Manual do Sequestrado", com as regras de troca.
O que já era muita coisa. Porque, como disse um deles, quando a Bíblia fala em olho por olho, não explica nada: não diz que cor é o olho, nem fala em acuidade visual. Nem diz se o olho pode ser de vidro.

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