São Paulo, quinta-feira, 1 de fevereiro de 1996
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Sobre bancos de hospitais

VICENTE AMATO NETO; JACYR PASTERNAK

VICENTE AMATO NETO E JACYR PASTERNAK
Neste nosso país acontecem duas coisas com razoável frequência: falências de entidades financeiras privadas ou públicas e de postos de atendimento a doentes, também das duas espécies.
Sendo o Brasil um local meio atrapalhado em definições legais e nominações, nem sempre algo completamente falido é assim chamado, mas, como dizia o poeta, uma rosa é sempre uma rosa, ainda que batizada com outro nome. Um hospital que tem pronto-socorro repleto de macas e impossibilita tratamento minimamente decente quanto às emergências, que tem ambulatórios prevendo atendimentos apenas após meses ou anos e que adota conduta segundo a qual doentes perdem horas e dias esperando consultas às vezes canceladas, que tem impossibilidade de realizar biopsia de nódulo de mama em tempo hábil para evitar que o câncer dissemine-se amplamente e que tem pouco interesse em controle da qualidade da assistência médica está falido, ainda que essa concepção não seja oficial.
A diferença de atitude das nossas autoridades quando esses desastres ocorrem é, surpreendentemente, muito diferente. Quando um banco vai para o brejo, elas mexem-se, agitam-se e costumam encontrar soluções, comumente socializando o prejuízo dos depositantes nas arapucas estouradas. E admitido que isso sucede para evitar problemas sociais. Talvez louvável, pois, afinal, muitos perderam dinheiro, mas para determinados governantes tal circunstância deve ser muitíssimo mais importante do que a perda de vidas. Sim, porque quando essas acontecem e estão sobrevindo contínua e reiteradamente, de maneira curiosa quase ninguém comove-se e muito menos as supracitadas autoridades, que tanto preocupam-se com o povo, conforme dizem. Pelo menos com o dinheiro do povo. Com a vida, a saúde e congêneres nem tanto.
Sem querermos dar uma de chatos ou de economistas, que sempre dizem que a responsabilidade de tudo não é deles em hipótese alguma, mas dos cidadãos que não entendem suas iluminadas idéias e, portanto, não fazem o que deveriam, temos a convicção que a culpa é dos componentes da comunidade sim, no sentido de que quando um banco fecha fazem passeatas e gritam, mas quando familiares morrem numa das bibocas da vida que ostenta na placa a designação de pronto-socorro ou hospital, apenas choram e pranteiam os mortos. Conviria, também, que o protestassem de maneira enfática por conta disso, senão vai continuar tudo como está hoje e está uma desgraça.

Vicente Amato Neto, 67, infectologista, é professor titular e chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Jacyr Pasternak, 53, infectologista, é médico-assistente da Divisão de Clínica e Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da USP.

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