São Paulo, quinta-feira, 1 de fevereiro de 1996
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Desvalorização cambial

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A decisão do governo de desvalorizar em cerca de 7% os limites inferior e superior da banda cambial tem aspectos positivos.
Demonstra uma certa flexibilidade na condução da política cambial, rompe com o apego supersticioso à paridade unitária como teto para a taxa de câmbio e nos afasta, assim, do modelo de rigidez cambial que tantos problemas tem causado à Argentina.
No entanto, o deslocamento da banda não representa necessariamente uma mudança de fundo na política cambial.
Se a nova banda for mantida por muito tempo, persistirá -e poderá até agravar-se- uma das principais distorções produzidas pelo Plano Real: a extraordinária valorização do câmbio em termos reais.
Existe o risco de que isso venha a ocorrer. Na conjuntura atual, marcada por uma tendência de redução dos juros nos EUA e em outros países desenvolvidos e pela abundância na oferta de capitais, a tendência à acomodação pode ser irresistível.
A Folha publicou domingo passado entrevista com um brasileiro que está assumindo, radiante, a função de diretor do Citibank em Nova York.
"É emocionante ver que o Brasil passou de esquecido para 'darling' da comunidade financeira internacional", declarou o executivo.
Um dos diretores do Banco Central (BC) deu declaração semelhante. Afirmou que o Brasil é agora o "queridinho" do capital internacional e que o BC vem conseguindo desestimular o capital especulativo a golpes de telefonemas aos "dealers" do mercado de câmbio...
É incrível a superficialidade das camadas dirigentes do país! Não é à toa que o Brasil tem tido tanta dificuldade para se desenvolver.
No ano passado, o Brasil obteve um superávit de US$ 31 bilhões na conta de capitais, segundo dados preliminares do BC.
De acordo com estimativa da Cepal, nada menos que dois terços do ingresso líquido de capital em 1995 corresponderam a investimentos de carteira e capital de curto prazo.
Como o BC não pode permitir que a oferta excedente de dólares provoque uma apreciação do câmbio, as suas reservas internacionais vêm crescendo rapidamente.
Para conter a expansão da liquidez primária, o Banco Central "enxuga" o impacto monetário das operações cambiais por meio da ampliação da dívida pública interna.
Do ponto de vista das finanças públicas, o resultado final é bastante desfavorável.
O governo compra ativos externos e vende um montante correspondente de passivos internos, sobre os quais incide uma taxa de juro várias vezes superior à que se pode obter pela aplicação das reservas no mercado internacional.
Como a maior parte das reservas está lastreada em passivos de curto prazo, persiste a vulnerabilidade da economia.
Nessa brincadeira, só saem ganhando os interesses financeiros engajados na lucrativa arbitragem entre as taxas de juro internas e externas.
Uma forma de resolver o problema seria evidentemente acelerar a redução das taxas de juro internas.
Se o Banco Central julga que isto seria inconsistente com o "equilíbrio interno", deveria então restringir e desestimular a entrada de capitais especulativos de forma mais efetiva.
Uma possibilidade seria reforçar a tributação sobre entradas de curto prazo ou então instituir depósitos compulsórios não-remunerados sobre esses fluxos, a exemplo do que fizeram diversos países, com sucesso, no passado recente.
Outra, seria aumentar a flexibilidade da política cambial, ampliando a banda cambial e permitindo maior flutuação no seu interior, como foi feito no Chile, por exemplo.
Essa última alternativa, ao aumentar a variabilidade da taxa de câmbio no curtíssimo prazo, introduziria um elemento de incerteza que tenderia a desencorajar capitais especulativos e reversíveis.
Ao mesmo tempo, o Banco Central cuidaria de promover alguma recuperação da taxa de câmbio real no médio prazo por meio de deslocamentos mais frequentes da banda.
Como escreveu Keynes, no "Treatise on Money", a arbitragem está "essencialmente preocupada com certezas e margens estreitas" e uma das formas mais eficazes de fazer face a uma oferta excessiva de capital de curto prazo é "permitir um elemento de dúvida sobre os termos futuros de troca entre moedas".
No fundo, o essencial é saber qual o grau de internacionalização financeira que se deseja ter, observou Keynes.
Mudanças como as acima mencionadas permitem a um banco central proteger o sistema de crédito do país das repercussões de distúrbios ou flutuações puramente temporárias no exterior.

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