São Paulo, sexta-feira, 2 de fevereiro de 1996
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No coração dos negócios

JANIO DE FREITAS

A entrega do Banerj à administração pelo Banco Bozano, Simonsen é uma sucessão de fatos típicos do que mais compromete as administrações brasileiras, sejam de que nível forem.
Até há pouco, afluíam perguntas sobre o que motivara a repentina decisão de entregar o banco estadual ao controle de terceiros, tanto mais que ele está sob intervenção administrativa do Banco Central.
Agora as perguntas referem-se ao motivo que levou Marcello Alencar a emitir o decreto, já reconhecido como inconstitucional, concedendo ao Bozano, Simonsen poderes para comprar e vender sem licitação, como se o Banerj fosse já empresa privada.
Tudo o que está envolvendo o Banerj deve levar em consideração que o governador de direito é Marcello Alencar, mas o governador de fato é o seu filho e secretário de Planejamento, Marco Aurélio Alencar.
O Banerj possui bom patrimônio em imóveis, no qual sobressai uma área muito interessante, pela localização e características: é uma das últimas, senão a última, disponível para uma grande incorporação na avenida Paulista, a cidadela paulistana dos grandes negócios nacionais. O valor de venda deste terreno é imbatível entre os similares. E há vários interessados em comprá-lo.
Cabeça com cabeça
Aos opositores do proposto tempo de contribuição para aposentadoria, que argumentam com a inviabilidade de que o assalariado prove o recolhimento da contribuição, que deve ser feito pelo empregador, o ministro da Previdência dá sempre a mesma resposta: "Ao empregado bastará mostrar a Carteira de Trabalho, com as anotações dos empregos que teve".
Acompanhante de Reinhold Stephanes nas negociações em torno do projeto, o ministro do Trabalho, Paulo Paiva, está propondo o fim da Carteira de Trabalho, substituída por um cartão plástico sem o registro dos empregos.
Tais são a seriedade e a competência com que o governo trata da suposta reforma da Previdência.
O grande assalto
"O Último da Fila -a CPI dos Esquecidos", da jornalista Coeli Mendes, já em distribuição às livrarias, é uma narrativa tão impressionante quanto esclarecedora, tão objetiva quanto incontestável, do assalto de que os cofres da Previdência têm sido vítimas. Assaltos só possíveis, todos, pela associação de grandes fraudadores e péssimos administradores, que o livro exibe tão bem.
Como demonstra, pela exposição do que foi a CPI do INSS e do papel que cada parlamentar teve nela, a contribuição decisiva dada de fora da Previdência, pelo Legislativo e pelo Executivo, para as dimensões e a perpetuação do assalto (só de 90 a 94, os cofres da Previdência foram saqueados em mais de R$ 3 bilhões).
Além de oportuno, por sair quando se discute um projeto governamental de reforma da Previdência que nem por uma palavra cuida de protegê-la, é um livro didático, pelo que ensina das instituições ditas democráticas e constitucionais.
Cuidado é pouco
O apoio à privatização está se confundindo -sem o saber, algumas vezes- com apoio a negociatas tremendas. Ao passar do apoio à tese para o aplauso a casos específicos, é recomendável a coleta prévia de mais informações subterrâneas ou, à falta delas, as ressalvas da precaução.
Sem tais cautelas, entusiastas da privatização sujeitam-se à suspeita de que o seu apoio à privatização, ou a determinadas privatizações, é uma ponte para a participação em negócios sórdidos. Nem se pode dizer que as suspeitas sejam maldosas, naturais que são no paraíso das negociatas que é o Brasil.

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