São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
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Fatalismo apocalíptico

OSIRIS LOPES FILHO

A inação política do governo federal em certas matérias e as declarações a respeito possibilitam a conclusão de que estamos, na visão federal, submetidos a um determinismo sem saída.
A complacência federal com relação ao desemprego é um exemplo típico. Considera-se o desemprego crescente, que infelicita milhões de lares brasileiros, como decorrência da globalização da economia e de sua modernização automatizada. A tranquilidade com que se explica o desemprego e a fria comparação estatística com outros países, sob o argumento de que os nossos percentuais de desemprego são mais baixos, evidencia uma olímpica insensibilidade governamental para os problemas sociais do país.
Os milhões de desempregados, com o seu sofrimento, são representados por um singelo percentual de um dígito. É o fatalismo apocalíptico.
Os deserdados, os oprimidos, os excluídos são excelente material para elaboração de teses acadêmicas. Mas falta ação efetiva para proscrever esse quadro indesejado, quando o acadêmico se torna executivo. Parece que se cultiva e se perpetua a miséria dos outros, para que não se perca a oportunidade do brilhareco intelectual da denúncia das nossas chagas sociais.
As generalizações envolvem perigo. Dei-me conta disso agora, ao sentir que estava quase incidindo numa posição maniqueísta. Há uma exceção à inércia governamental. Trata-se da tão manipulada emenda garantindo a possibilidade de reeleição do presidente. Parece-me ser a única tentativa apresentada de se eliminar desemprego, de interesse do governo. E, mesmo assim, tenta-se resolver desemprego futuro.
Há fato que pode comprometer o êxito desse empreendimento. É que no palanque de sua campanha tem subido paquiderme de tal peso específico, adensado por truculências verbais de alta densidade, que talvez o palanque caia, expondo a emenda ao insucesso.
O infortúnio dos trabalhadores é desleixado, mas o dos empresários, principalmente dos banqueiros, tem sido tratado a pão-de-ló. Perdão pela impropriedade. Com tutu, fornecido pela gastronomia do Tesouro Nacional, temperado pela culinária do Banco Central.
É possível aliviar o desemprego cuidando do bem-estar dos nossos industriais. Eles estão sendo submetidos a uma concorrência predatória. A política de desgravamento das importações, pela redução das alíquotas do imposto de importação, tem sido leviana e suicida dos interesses nacionais.
A disciplinação feita do "dumping" e dos "countervailing duties" (direitos compensatórios) é literalmente para inglês ver. Tem pouca eficácia, em termos de exequibilidade, tão frágil é o procedimento estabelecido e inadequados os papéis atribuídos aos atores governamentais. De drama policial, passa-se à farsa descarada.
A função protecionista do imposto de importação foi substituída pela de promotora das importações, submetendo a produção nacional a uma concorrência de tal intensidade que gera a quebra das empresas e ao consequente desemprego dos trabalhadores.
O quadro de vulnerabilidade se agrava em face das evidências da prática de subfaturamento na importação. É imprescindível montar na Receita Federal setor que faça a valoração aduaneira e determine o preço real dos bens importados.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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