São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
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O caso dos cachês

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Não estava no país quando aconteceu o megaevento patrocinado pela Prefeitura do Rio para saudar a passagem do ano. Meu réveillon foi modesto e nada custou às burras municipais e a seus patrocinadores. De maneira que fica difícil entender essa polêmica em torno dos cachês pagos aos artistas do povo que se dignaram a distrair o povo nas areias de Copacabana.
Outro dia, uma jovem colega, folheando revistas francesas, perguntou se Mitterrand era mais importante do que Napoleão e De Gaulle. Estranhei a pergunta e ela esclareceu: "É que nunca vi tanta matéria, tanta capa, tantas entrevistas sobre um cara da França. Acho que Mitterrand foi o maior vulto da história de lá".
A julgar pelo que se gastou em papel, tinta e espaço na paciência dos leitores, Mitterrand foi mais importante do que Joana d'Arc, Napoleão, De Gaulle e Brigitte Bardot. Aplicando o raciocínio ao réveillon do Rio, o imbróglio dos cachês foi mais importante do que a Guerra do Paraguai, as lutas pela Independência, a queda do Império, o desaparecimento dos ossos de Dana de Tefé.
Mesmo assim, darei minha opinião, não sobre a justiça ou injustiça dos cachês, mas sobre o evento em si. É uma forma boba de gastar dinheiro dos outros, seja o das burras municipais, seja das burras dos patrocinadores. Nada contra os artistas e seus cachês, eles merecem. A bobagem é querer patrocinar alegria para uma festa naturalmente alegre, que não precisa nem de Zeffirelli nem da Lyz Taylor, como não precisaria da turma nativa, fosse ela qual fosse e a que preço cobrasse.
Afirmam os entendidos que maluco é quem rasga dinheiro. O seu ou o dos outros. Entregando a cidade a vitrinistas para enfeiarem o que é bonito e contratando artistas para alegrar a alegria, o alcaide do Rio está rasgando dinheiro. Ele bem que podia arranjar patrocínios para melhorar os hospitais e escolas da cidade. Acredito que até os artistas o ajudariam nessa tarefa. De graça.

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